Alerta militar ao máximo, anúncio do fim do armistício, ampliação do número de lançamento de mísseis de médio e longo alcance, soldados marchando e preparando trincheiras, discursos de beligerância. O enésimo desafio da Coréia do Norte às determinações do Conselho de Segurança das Nações Unidas é um filme velho, repisado e desbotado. Ao longo de décadas, o regime mais retrógrado do planeta vem adotando um comportamento típico dos jogadores de pôquer &ndash aliás, dizem as más línguas, um dos divertimentos favoritos do líder máximo, o ditador Kin Jong Il. Os objetivos desse comportamento que evoca a Guerra Fria sempre foi um só: obter legitimidade e, através dela, arrancar vantagens políticas e estratégicas. Dessa forma o país conseguiu, com a ajuda do cientista paquistanês A.K. Khan, adquirir a tecnologia nuclear para a fabricação de bombas atômicas do tamanho de geladeiras. O que ainda não possuem é o plutônio que as tornas horripilantes mensageiros do Juízo Final.
A relação dos norte-coreanos com as outras potências se dá em ciclos de sístoles e diástoles, distensão e compressão. A cada blefe ou rodada de ameaças, os países que lidam com o problema &ndash EUA, Rússia, China, Japão e Coréia do Sul &ndash o tratam cada um à sua maneira, e de acordo com interesses de ocasião. Habilmente, Kin Jong Il sempre soube se aproximar de quem podia dar maiores vantagens e manter-se longe dos que o ameaçavam. Assim, continuou driblando decisões que ampliam seu isolamento e, consequentemente, os ganhos pessoais que a casta de militares os quais comanda observam com o contrabando. Driblar o embargo funciona mais e melhor do que a negociação aberta. O desafio à Resolução 1718, de 2006, que determinava o congelamento dos testes nucleares no país gerou excelentes oportunidades de arrancar concessões. Por exemplo, a pretensa renúncia ao programa em troca de ajuda econômica, acordada recentemente e simbolizada na implosão de uma torre de resfriamento do reator nuclear. A partir daquele gesto, e em troca do alívio da pressão, os norte-coreanos ganharam o tempo necessário para continuarem com as pesquisas e com os testes que fazem atualmente.
Como sempre, a maior parte do que se descobre em relação a esse regime zumbi é fruto de interpretações de imagens de satélites e aviões espiões. Não há espionagem capaz de sobreviver muito tempo em território tão hostil, mesmo e principalmente a que pode ser conduzida pelos sul-coreanos. De novo, a atual crise tem um componente, este real e assustador: o declínio da saúde de Kin Jong Il é visível e não se pode dizer exatamente quem está conduzindo o país. O tom mais beligerante e as demonstrações de força, sob essa ótica, seriam, de acordo com alguns analistas internacionais, mais um reflexo das disputas de poder entre a gerontocracia militar que cerca o ditador do que a reaplicação de um modus operandi político. Ou seja: a sucessão foi lançada.
Se for isso, a situação é mais perigosa ainda. E requer de todos os envolvidos muita cautela para não acender um estopim armado - inclusive o Brasil, que fez bem em adiar a abertura de uma controversa embaixada no país. Mesmo a China, que tantas vezes usou a Coréia do Norte para duelar com os EUA - uma tática remanescente da Guerra Fria - desta vez não parece confortável com a escalada militar ao lado do seu quintal. Um passo em falso e os chineses acabariam recebendo a rebarba de um conflito sem qualquer razão de ser além das paranóias de Pyongyang.
Coreia do Norte desafia o mundo