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Não Vim Trazer A Paz, Mas A Espada
Condiz com a Bíblia, quinta-feira, 26 de setembro de 2013
Não Vim Trazer A Paz, Mas A Espada

"Não julgueis que vim trazer paz a Terra; não vim trazer-lhe paz, mas espada; porque vim separar o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra; e os inimigos do homem  serão os seus mesmos domésticos." (Mateus, 10: 34-36).


            Eu vim trazer fogo à Terra, e que quero eu, senão que ele se acenda? Eu, pois, tenho de ser batizado num batismo, e quão grande não é a minha angústia, até que ele se cumpra? Vós cuidais  que eu vim trazer paz à Terra? Não, vos digo eu, mas separação; porque de hoje em diante haverá, numa mesma casa, cinco pessoas divididas, três contra duas e duas contra três. Estarão divididas: o pai contra o filho, e o filho contra seu pai; a mãe contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra contra sua nora, e a nora contra sua sogra. (Lucas, XII: 49-53)


            Foi mesmo Jesus, a personificação da doçura e da bondade, ele que não cessava de pregar o amor do próximo, quem disse estas palavras: Eu não vim trazer a paz, mas a espada; vim separar o filho do pai, o marido da mulher, vim lançar fogo na Terra e tenho pressa que ele se acenda? Essas palavras não estão em flagrante contradição com o seu ensino? Não é uma blasfêmia atribuir-se a linguagem de um conquistador sanguinário e devastador? Não, não há blasfêmia nem contradição nessas palavras, porque foi ele mesmo quem as pronunciou, e elas atestam a sua elevada sabedoria. Somente a forma, um tanto equívoca, não exprime exatamente o seu pensamento, o que provocou alguns enganos quanto ao seu verdadeiro sentido. Tomadas ao pé da letra, elas tenderiam a transformar a sua missão, inteiramente pacífica, numa missão de turbulências e discórdias, conseqüência absurda, que o bom senso rejeita, pois Jesus não podia contradizer-se.


            Toda idéia nova encontra forçosamente oposição, e não houve uma única que se implantasse sem lutas. A resistência, nesses casos, está sempre na razão da importância dos resultados previstos, pois quanto maior ela for, maior será o número de interesses ameaçados. Se for uma idéia notoriamente falsa, considerada sem conseqüências, ninguém se perturba com ela, e a deixam passar, confiantes na sua falta de vitalidade. Mas se é verdadeira, se está assentada em bases sólidas, se é possível entrever-lhe o futuro, um secreto pressentimento adverte os seus antagonistas de que se trata de um perigo para eles, para a ordem de coisas por cuja manutenção se interessam. E é por isso que se lançam contra ela e os seus adeptos. A medida da importância e das conseqüências de uma idéia nova nos é dada, portanto, pela emoção que o seu aparecimento provoca, pela violência da oposição que desperta, e pela intensidade e a persistência da cólera dos seus adversários.


            Jesus vinha proclamar uma doutrina que minava pelas bases a situação de abusos em que viviam os fariseus, os escribas e os sacerdotes do seu tempo. Por isso o fizeram morrer, julgando matar a idéia com a morte do homem. Mas a idéia sobreviveu, porque era verdadeira; desenvolveu-se, porque estava nos desígnios de Deus; e nascida numa pequena vila da Judéia, foi plantar a sua bandeira na própria capital do mundo pagão, em face dos seus inimigos mais encarniçados, daqueles que tinham o maior interesse em combatê-la, porque ela subvertia as crenças seculares, a que muitos se apegavam, mais por interesse do que por convicção. Era lá que as lutas mais terríveis esperavam os seus apóstolos; as vítimas foram inumeráveis; mas a idéia cresceu e saiu triunfante, porque superava, como verdade, as suas antecessoras.


            Observe-se que o Cristianismo apareceu quando o Paganismo declinava, debatendo-se contra as luzes da razão. Convencionalmente ainda o praticavam, mas a crença já havia desaparecido, de maneira que apenas o interesse pessoal o sustinha. Ora, o interesse é tenaz, não cede nunca à evidência, e irrita-se tanto mais, quanto mais peremptórios são os raciocínios que se lhe opõem e que melhor demonstram o seu erro. Bem sabe que está errado, mas isso pouco lhe importa, pois a verdadeira fé não lhe interessa; pelo contrário, o que mais o amedronta é a luz que esclarece os cegos. O erro lhe é proveitoso, e por isso a ele se aferra, e o defende.            


            Os adeptos da nova doutrina, infelizmente, não se entenderam sobre a interpretação das palavras do Mestre, na maioria veladas por alegorias e expressões figuradas. Daí surgirem, desde o princípio, as numerosas seitas que pretendiam, todas elas, a posse exclusiva da verdade. Esquecendo o mais importante dos preceitos divinos, aquele de que Jesus havia feito a pedra angular do seu edifício e a condição expressa da salvação: a Fé, a fraternidade e o amor do próximo, essas seitas se anatematizaram reciprocamente, arremeteram-se umas contra as outras, as mais fortes esmagando as mais fracas, afogando-as em sangue, ou nas torturas e nas chamas das fogueiras. Os cristãos vencedores do paganismo,  passaram de perseguidos a perseguidores. Foi a ferro e fogo que plantaram a cruz do cordeiro sem mácula nos dois mundos. É um fato comprovado que as guerras de religião foram mais cruéis e fizeram maior número de vítimas que as guerras políticas, e que em nenhuma outra se cometeram tantos atos de atrocidade e de barbárie.


            Seria a culpa da doutrina de Cristo? Não, por certo, pois ela condena formalmente toda violência. Disse ele em algum momento aos seus discípulos: Ide matar, queimar, massacrar os que não acreditarem como vós? Não, pois que lhes disse o contrário: Todos os homens são irmãos, e Deus é soberanamente misericordioso; amai o vosso próximo; amai os vossos inimigos; fazei bem aos que vos perseguem. E lhes disse ainda: Quem matar com a espada perecerá pela espada. A responsabilidade, portanto, não é da doutrina de Jesus, mas daqueles que a interpretaram falsamente, transformando-a num instrumento a serviço das suas paixões, daqueles que ignoram estas palavras: O meu Reino não é deste mundo.


            Jesus, na sua profunda sabedoria, previu o que devia acontecer. Mas essas coisas eram inevitáveis, porque decorriam da própria inferioridade da natureza humana, que não podia ser transformada subitamente. Era necessário que o Cristianismo passasse por essa prova demorada e cruel para demonstrar toda a sua pujança: porque, apesar de todo o mal cometido em seu nome, ele saiu dela puro, e jamais esteve em causa. A censura sempre caiu sobre os que dele abusaram, pois a cada ato de intolerância sempre se disse: Se o Cristianismo fosse melhor compreendido e melhor praticado, isso não teria acontecido.


            Quando Jesus disse: Não penseis que vim trazer a paz, mas a divisão – seu pensamento era o seguinte:


            “Não penseis que a minha doutrina se estabeleça pacificamente. Ela trará lutas sangrentas, para as quais o meu nome servirá de pretexto. Porque os homens não me haverão compreendido, ou não terão querido compreender-me. Os irmãos, separados pelas suas crenças, lançarão a espada um contra o outro, e a divisão se fará entre os membros de uma mesma família, que não terão a mesma fé. Vim lançar o fogo na Terra, para consumir os erros e os preconceitos, como se põe fogo num campo para destruir as ervas daninhas, e anseio porque se acenda, para que a depuração se faça mais rapidamente, pois dela sairá triunfante a verdade. A guerra sucederá a paz; ao ódio dos partidos, a fraternidade universal; às trevas do fanatismo, a luz da fé esclarecida” .


            “Então, quando o campo estiver preparado, eu vos enviarei o Consolador, o Espírito da Verdade, que virá restabelecer todas as coisas, ou seja, que dando a conhecer o verdadeiro sentido das minhas palavras, que os homens mais esclarecidos poderão enfim compreender, porá termo à luta fratricida que divide os filhos de um mesmo Deus. Cansados, afinal, de um combate sem solução, que só acarreta desolação e leva o distúrbio até mesmo ao seio das famílias, os homens reconhecerão onde se encontram os seus verdadeiros interesses, no tocante a este e ao outro mundo, e verão de que lado se acham os amigos e os inimigos da sua tranqüilidade. Nesse momento, todos virão abrigar-se sob a mesma bandeira: a da caridade, e as coisas serão restabelecidas na Terra, segundo a verdade e os princípios que vos ensinei”.


             O Cristianismo vem realizar as promessas de Cristo. Não o pode fazer, entretanto, sem destruir os erros. Como Jesus, ele se defronta com o orgulho, o egoísmo, a ambição, a cupidez, o fanatismo cego, que, cercados nos seus últimos redutos, tenta ainda barrar-lhe o caminho, e levantam contra ele entraves e perseguições. Eis por que ele também é forçado a combater. Mas a época das lutas e perseguições sangrentas já passou, e as que ele tem de suportar são todas de ordem moral, sendo que o fim de todas elas se aproxima. As primeiras duraram séculos; as de agora durarão apenas alguns anos, porque a luz não parte de um só foco, mas irrompe de todos o ponto do globo, e abrirá mais depressa os olhos aos cegos.


            Aquelas palavras de Jesus devem ser entendidas, portanto, como referentes à cólera que, segundo previa, a sua doutrina iria suscitar; aos conflitos momentâneos, que surgiram como conseqüência; às lutas que teria de sustentar, antes de se firmar, como aconteceu com os hebreus antes de sua entrada na Terra Prometida; e não como um desígnio premeditado, de sua parte, de semear a desordem e a confusão. O mal devia provir dos homens, e não dele. A sua posição era a do médico que veio curar, mas cujos remédios provocam uma crise salutar, revolvendo os humores malignos do enfermo.


O porquê da edição e divulgação deste texto: (1Ts 5:21)


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