A surpreendente reviravolta em torno do fechamento da prisão de Guantánamo, onde os Estados Unidos mantém encarcerados acusados de terrorismo, embute um fator importante e pouco considerado. O medo. Logo após a posse, o presidente Barack Obama assinou um decreto pelo qual em um ano as instalações em Cuba &ndash objeto de repúdio mundial e de enorme desgaste para a tradição democrática americana &ndash deveriam ser fechadas. Passada a euforia da vitória, com o governo tendo de lidar com o desgaste dos desafios impostos pela crise, veio o contra-ataque republicano. Como um direto no fígado, o ex-vice-presidente Dick Cheney foi à televisão lançar o motto que a oposição aos democratas repisa a todo momento: a decisão de fechar Guantánamo tornaria a América menos segura. Esse é um argumento poderoso por mexer com algo com o qual governo nenhum pode enfrentar, que é a dificuldade do cidadão em aceitar que sua segurança está garantida pelo Estado. O efeito 11 de Setembro torna tênue essa confiança. Vender medo dá lucro.
O marketing do terror, que tantas vezes foi lembrado como ferramenta útil para que a Casa Branca desviasse a atenção da opinião pública para a crise que se avizinhava, reapareceu muito melhor estruturado dessa vez. E está se revelando mais poderoso para quem saiu do governo com índices de popularidade no fundo do poço. Os republicanos lembraram, ao atacar a forma como o presidente agiu quanto aos presos da Guerra ao Terror, que o fechamento implicaria em trazer para território americano justamente os terroristas que todos gostariam de ver longe. Nas televisões americanas, o partido vem veiculando campanha intensamente publicitária na qual pergunta ao eleitor se gostaria de ter Khalid Sheik Mohammed, o planejador dos ataques a Nova York e Washington, o preso número 1 de Gitmo, como vizinho. É um truque de marqueteiro, já que o responsável pelo primeiro ataque ao World Trade Center, Ramsi Yousef, e o mentor espiritual da Jihad &ndash e de uma série de atentados que ocorreriam em Nova Jersey &ndash o xeque cego egípcio Omar Abdel Rahman, estão encarcerados em penitenciárias de segurança máxima dentro dos EUA.
O impacto da campanha mostra que, bem manipulado, o medo é irresistível &ndash um fenômeno que não é só americano, mas mundial. Os políticos brasileiros conhecem bem essa ferramenta de campanha. Obama não só se viu forçado a recuar na questão da excrescência legal que é Guantánamo, como também mudou de rumo em outras questões que eram pontos-chave de sua campanha e passou a jogar na defensiva em um assunto no qual sempre esteve no ataque. Pelo mesmo motivo &ndash a necessidade de manter o país seguro &ndash suspendeu a divulgação de imagens de prisioneiros sofrendo abusos e tirou o pé do acelerador na questão das punições aos que criaram o arcabouço legal para justificar a tortura imposta como ferramenta de obtenção de informações. Os republicanos faturaram alto com as manobras, haja visto a rejeição quase unânime ao pedido de verba encaminhada pelo presidente ao Congresso &ndash inclusive com o apoio da bancada democrata &ndash especificamente para permitir o fim do cárcere de Cuba. Para quem saiu tão por baixo na eleição, a recuperação do capital político republicano foi impressionante. O retorno que o medo trouxe ressuscitou Dick Cheney e outros integrantes-chave do governo Bush e fez valer cada dólar de investimento.