São Paulo - Jovem de 17 anos, bonita, inteligente, modelo internacional, rica, simpática, cheia de vida, mãe. Esse era o mundo maravilhoso de Kristie Hanbury em 1986. Maravilhoso até o dia em que, na saída de um shopping center, no Rio, bateu forte a cabeça, mais precisamente a testa, num portão de saída. Fraturou a 3ª e a 5ª vértebras e deslocou a quarta. Sofreu edema cerebral e, pior, ficou tetraplégica. Em alguns segundos, viu o mundo desabar. Perdeu completamente os movimentos.
A história era para ser triste, não fosse um milagre ou poder de recuperação poucas vezes visto na história da medicina. Kristie é hoje (acredite!) atleta. Joga pólo e foi a responsável por criar o primeiro time feminino do esporte no Brasil, o The Amazons Polo Team. Recuperou a ação de seus membros, a força e tornou-se exemplo para muita gente. A carioca, hoje com 38 anos, é apaixonada pelo pólo, seu assunto predileto. Começou a praticá-lo em 1997, quando vivia em Cingapura - um dos vários países por que passou - e já havia deixado de ser tetraplégica. Kristie conseguiu algo incrível na vida ao resgatar a coordenação nas pernas e nos braços, mas nunca saiu por aí contando a história.
Ao contrário, sempre foi muito discreta e preferiu mantê-la entre amigos e familiares. O caso veio à tona recentemente, apesar de pouco divulgado. Na conversa com a reportagem, por telefone, de Londres, onde disputou algumas partidas nas últimas semanas, Kristie pediu que o papo girasse mais em torno do esporte, de seu time, das competições internacionais. Tudo bem, Kristie, mas seria impossível deixar de abordar tudo o que viveu duas décadas atrás e no período de recuperação.
O MUNDO DESABA - O acidente que a tornou um fenômeno mundial ocorreu momentos depois de a garota ter deixado uma exposição de quadros de uma conhecida, no shopping, há 21 anos. Saiu correndo para encontrar amigos, que a esperavam do lado de fora. Na saída ao pular um obstáculo, bateu a testa no portão com força. Sofreu um corte na cabeça. "Fiquei zonza", conta. A preocupação foi grande, mas ninguém tinha idéia da dimensão do problema. Acabou levada a um hospital, que se tornou por seis meses sua casa.
"Não poderia ser movida nem para mudar de hospital, porque corria riscos (de morte)", lembra Kristie. "Não foi fácil, minha vida mudou radicalmente." Um semestre depois, mudou-se para Columbus, na Georgia, Estados Unidos, onde seguiu se tratando numa clínica. Mas a chegada não foi nada animadora. "O médico, nos Estados Unidos, me disse que eu não conseguiria nem me sentar novamente, fiquei muito desanimada." De vez em quando, Kristie saía com os amigos, numa cadeira. Mas não se sentia à vontade. Precisava, por exemplo, levar junto um saco de urina.
Tão menina, a carioca já era mãe, fazia sucesso, tinha carreira bem-sucedida e começava a ganhar dinheiro. Não admitia largar tudo sem lutar e se conformar em passar o restante da vida na cama. Um fisioterapeuta americano, que teve poliomielite na infância, foi fundamental para a maior de suas vitórias. Sem cobrar nada, ele passava pelo menos duas horas trabalhando com Kristie pela manhã e uma hora à tarde. "Ele até deixou o tempo que teria com a família para me ajudar, porque tinha como objetivo de vida, naquele momento, me fazer andar", observa. "Não estava apaixonado por mim, queria apenas me ajudar a andar."
O que quase ninguém acreditava começou a acontecer. Kristie, aos poucos, passou a mexer um dedinho, depois uma parte do braço... Foram dois anos e meio para que voltasse a andar. "Mas saí do hospital cheia de fios", lembra. "E, para recuperar os movimentos completos, foram dez anos." Até hoje faz fisioterapia Se não fizer alongamento nas pernas, por exemplo, os tendões encurtam e ela fica sem possibilidade de caminhar. Sua história virou objeto de estudo de médicos, pesquisadores e psicanalistas. Para muitos, a ex-modelo driblou todos os prognósticos da medicina com a força interior, a capacidade de superação, a elevada auto-estima.
VIRADA - Desde criança, Kristie era agitada. Brincava, corria, pulava. No início da adolescência, já desfilava nas passarelas, fazia comerciais. Sua beleza chamava a atenção. Como chama até hoje. Só a limitação física foi capaz de pará-la. E não por tanto tempo. Assim que venceu a doença, partiu para o esporte.
Em 97, em Cingapura, aprendeu equitação, motivada pelo companheiro, o inglês Tobias Hanbury, com quem tem cinco filhos - quatro garotas (Kim, Shanna, Nina e Maya) e um menino (Konan). Dois anos mais tarde, na Irlanda, fez aulas de pólo. Ainda em 99 foi para a Argentina, onde melhorou sua técnica e nunca mais deixou de praticar a modalidade.
Não é craque, não desequilibra os jogos, mas freqüentemente recebe convites para disputar partidas pelo mundo.
E não qualquer partida. Há duas semanas, exibiu a habilidade na Real Academia Militar de Sandhurst, centro de treinamento inicial dos oficiais da Armada Britânica - Sandhurst foi onde se formou, por exemplo, o príncipe Harry, neto da rainha Elizabeth II. Neste mês, atuou ainda na Itália e na Espanha.
A idéia do The Amazons Polo Team, o primeiro time brasileiro feminino de pólo (apesar do nome inglês), um esporte sem popularidade no País, surgiu em 2003 com o jornalista e publicitário Mauro Salles. Kristie gostou da sugestão e tratou de levar o projeto à frente. Em 2004 começou a formar o time e, em 2006, as amazonas entraram em campo para o primeiro jogo. Foi um Brasil x Argentina.
Por falta de patrocínio, o time nem sempre pode aceitar os convites. Além de Kristie, cinco garotas brasileiras normalmente compõem o The Amazons. Três vivem no Sul do País e outras três moram hoje na Inglaterra. Quando elas não conseguem se reunir, atletas de outros países completam o time da ex-modelo carioca. "O pólo é um esporte de elite, mas está crescendo mundialmente e é interessante para o espectador", diz Kristie. "Minha intenção é mostrar o pólo e ajudá-lo a crescer no Brasil."
Além do pólo, a moça se dedica a projetos sociais, pelos quais ajuda pessoas com restrições motoras - a equitação é importante aliada - e câncer. Kristie teve, recentemente, câncer na mama. É verdade! Curou-se e hoje leva vida normal. Ou melhor, leva vida à moda Kristie Hanbury, viajando o mundo, jogando pólo, ajudando gente e superando barreiras insuperáveis.
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