Filmes como "Armageddon" popularizaram a ideia de que um dia a Terra pode ser destruída por um asteroide gigante. Se os roteiristas quiserem escrever algo mais realista, porém, estudos recentes sugerem que eles deveriam pensar em outro tipo de corpo celestial: os cometas, tal como no filme "Impacto Profundo".
"É muito mais frequente a colisão de um asteroide que a de um cometa, mas quando se trata de cometas e asteroides grandes, a história muda", disse à Folha Julio Ángel Fernández, cientista que coordena um simpósio nesta semana sobre o tema. O evento faz parte da Assembleia Geral da IAU (União Astronômica Internacional), o encontro mais importante da área, que começa hoje no Rio de Janeiro e vai até dia 14.
Cometas já eram assunto quente, mas ficaram ainda mais de duas semanas para cá, após o registro de um sinal raro em Júpiter: a marca de uma colisão (provavelmente de um cometa), a segunda em 15 anos. Em 1994, telescópios viram o planeta engolindo um cometa, o Shoemaker-Levy 9, num espetáculo jamais visto até então.
"Foi uma surpresa", diz Fernández, professor da Universidade da República, de Montevidéu. "Como Júpiter é muito maciço, colisões de cometas são mesmo mais frequentes lá do que na Terra. Mas estimativas considerando a população de cometas indicavam que um choque desses ocorreria só a cada mil ou 10 mil anos."
Choques como esse ocorrem quando cometas mergulham desde lugares distantes como o cinturão de Kuiper (região orbital de Plutão) na direção do Sol. Outro lugar de onde muitos cometas vêm é a nuvem de Oort, uma região esférica que engloba todo o Sistema Solar.
Abalo gravitacional
Para saber que tipo de perturbação tira cometas da região de Oort e os injeta no Sistema Solar interior, Marc Fouchard, do Observatório de Paris, tem feito simulações de computador. Uma delas indica que a "maré galáctica" --efeito da gravidade da Via Láctea nos corpos em seu interior-- provoca isso. E a nuvem de Oort também é perturbada pela passagem de estrelas perto do Sol.
"Elas agem em sinergia com a maré de modo que a taxa total de injeção fica bem maior do que a soma das duas taxas", diz Fouchard, que deve vir para a assembleia da IAU no Rio.
Um estudo publicado sexta-feira passada também deve aquecer o debate, mostrando que cometas da nuvem de Oort podem mergulhar no Sistema Solar interior atraídos pela própria gravidade de Júpiter. O trabalho, de Nathan Kaib, da Universidade de Washington, afirma que colisões de objetos egressos de Oort com a Terra são na verdade são muito raras, pois Júpiter pode engoli-los antes. Mas ainda está em debate se o planeta gigante atua mais como escudo protetor da Terra ou como vilão, atraindo cometas.
Um estudo recente, do Instituto Niels Bohr, da Dinamarca, também deve ser alvo de discussão na IAU. O trabalho mostrou que o bombardeio de corpos celestes que castigou a Terra há mais de 4 bilhões de anos não era uma chuva de asteroides, e sim de cometas.
Até a famosa explosão de Tunguska, que destruiu 2.000 km2 de floresta na Sibéria em 1908, deve agora ser atribuída a um cometa, diz o novo estudo de um grupo de astrônomos da Universidade Cornell (EUA).
Passando o cinturão
No limite, novas descobertas podem até fazer com que faixa orbital entre Marte e Júpiter --o cinturão de asteroides- mude de nome. Estudos têm mostrado que muitos dos corpos celestes que habitam aquela região estão cobertos de uma poeira que pode ser material volátil: característica típica de cometas, que dá a eles as suas caudas quando se aproximam do Sol. Asteroides têm composição rochosa mais compacta.
Um estudo publicado em abril pela revista "Nature" indica que muitos dos objetos no cinturão de asteroides são na verdade "invasores" que saíram do cinturão de Kuiper e da nuvem de Oort. Um dos autores do trabalho, Alessandro Morbidelli, do Observatório de Côte d'Azur, de Nice, também deve vir para o encontro no Rio.