O Movimento de 1932 desencadeado em São Paulo, ainda hoje é motivo de comemoração e de debates por parte da sociedade paulista. Em geral a Revolução é apresentada de forma maniqueísta, envolvendo “Constitucionalistas” e “ditatoriais” como se houvessem apenas duas situações possíveis naquele momento da história. A polarização militar que existiu de 9 de Julho a 2 de outubro, não refletia a situação política ou ideológica do país, onde vários projetos de poder apresentavam-se.
O MOMENTO
O início da década de 30 foi marcado por uma reorganização do Estado, fruto da crise do poder oligárquico, que por sua vez refletia a formação de novas camadas sociais, com interesses distintos, do processo de urbanização e por uma reordenação da economia mundial, afetada pela crise de 29.
A maioria das avaliações sobre o final da República Velha concorda que a elite tradicional paulista, organizada no PRP, viveu um processo de isolamento, tendo como oposição uma grande frente política, que envolvia diferentes setores da sociedade brasileira: a elite urbana – principalmente de São Paulo – as camadas médias, os tenentes e as oligarquias dos demais estados, incluindo a de Minas Gerais, que até então estivera no poder. Por isso se considera que, derrubado Washington Luís, abriu-se um “vazio de poder” no país, ou seja, não havia uma facção política ou de classe com condições de controlar sozinha o poder de Estado.
Percebe-se já em 1930, com nitidez, as diversas possibilidades políticas que se apresentam ao país e os anos seguintes, incluído 32, definirão as reais chances de cada uma delas.
A formação de um governo provisório reflete essa situação, onde o novo poder, organizado por Getúlio Vargas vai caracterizar-se pela centralização, com o objetivo de fortalecer o Estado, atraindo para esse projeto os militares e parte dos trabalhadores urbanos, com um discurso nacionalista e com o início de uma legislação trabalhista, ao mesmo tempo em que atingia os interesses das oligarquias, que perdiam o controle político em seus estados e sua influência em nível nacional. O Congresso Nacional foi fechado, assim como os legislativos estaduais e os partidos políticos; os governadores foram depostos e substituídos por interventores, em sua maior parte tenentes, que abandonavam o discurso liberal, passando a defender um Estado autoritário, como elemento necessário para a construção de um novo modelo econômico e político.
SÃO PAULO
A “Revolução Constitucionalista” é vista como um movimento de São Paulo contra o governo federal. Expressões como: “São Paulo ocupado”, “…o povo paulista” ou “São Paulo precisa de você…” são comuns naquele ano de 1932. Mas o que é São Paulo? Quem fala em nome de São Paulo? Existe uma São Paulo única, toda ela contra o governo Vargas ? Qual a proposta de São Paulo para a situação?
O único argumento que pode unir os diversos grupos paulista é “Constituição”
As Oligarquias do PRP, que haviam sido retiradas do poder em 1930 falam em Constituição, o Partido Democrático, refletindo o liberalismo empresarial urbano, fala em Constituição, setores intelectuais falam em Constituição. Todos defendem a mesma Constituição?
O Movimento teve o mérito de contestar o governo provisório, centralizador e autoritário, que dominava o país; no entanto, criou, estimulou e mantêm ainda hoje um sentimento bairrista, paulista, como se o “ser paulista” fosse algo superior em relação aos demais brasileiros, como se o “ser paulista” fosse algo único, com o grande objetivo constitucional, onde esse fosse o interesse primordial de todos.
Na verdade esse discurso procurou esconder, e em parte conseguiu, os objetivos específicos da nova elite estadual, representada pelo Partido Democrático, que por sua vez era a representação dos interesses de uma elite empresarial urbana que, com um discurso progressista atraiu boa parte das camadas médias, contando para isso com o primordial papel da imprensa, notadamente do jornal O Estado de São Paulo, dirigido por Júlio de Mesquita Filho, que ao mesmo tempo era um dos líderes do PD.
“…o principal líder civil do movimento era o jornalista Júlio de Mesquita Filho (1892-1969), diretor do Estado. Essa liderança ficou clara em 25 de janeiro de 1932 – cinco meses antes da eclosão do conflito. Na ocasião, mais de 100 mil pessoas marcharam da Praça da Sé à sede do jornal, então na Rua Boa Vista, para ouvir a saudação de Mesquita Filho, que discursou. “Anulada a autonomia de São Paulo, o Brasil se transformou num vasto deserto de homens e de idéias”, disse Julinho, como era conhecido, da sacada da redação.
“E, se o nosso afastamento da direção da coisa pública eqüivaleu à implantação do caos e da desordem em todo o território nacional, a ordem, a tranqüilidade, a disciplina, em uma palavra, o império da lei e da justiça só poderá ser restabelecido no dia em que São Paulo voltar à sua condição de líder insubstituível da Nação”, conclamou.. O papel do Estado (o jornal) nesse episódio recente da História nacional foi tanto político quanto aglutinador.”
Estado de São Paulo 13 de março de 1999
A REAÇÃO CONSERVADORA
É interessante notar como a versão tradicional pode ser favorável tanto aos getulistas como à nova elite paulista, teoricamente vencedores e perdedores. Essa versão considera que o movimento de 32 foi uma reação da elite tradicional, as oligarquias do café, na tentativa de recuperar o poder perdido. Considerando dessa maneira, os getulistas tiveram um bom argumento para manter o poder, mesmo através da guerra, pois impediam que o Brasil retrocedesse, impediam a volta do coronelismo, do voto de cabresto, dos currais eleitorais. Ao mesmo tempo, a nova elite paulista não foi derrotada e sim a velha oligarquia em seu propósito de recuperar o poder. A nova elite irá considerar-se vitoriosa moralmente e politicamente, principalmente no ano seguinte, quando da convocação da Constituinte, vista como prova de que Getúlio fora forçado a reconhecer a importância de São Paulo. Mas de qual São Paulo?. Qual São Paulo será beneficiada pala política getulista? A São Paulo cafeeira, a São Paulo empresarial ou a São Paulo operária?. Essa resposta será obtida nos anos seguintes, com uma análise da política socioeconômica do governo federal.
O MOVIMENTO MILITAR
Durante todo o ano de 1932 organizou-se intensa propaganda contra o governo Vargas, que estimulou a organização de associações civis constitucionalistas, formada principalmente por estudantes e profissionais liberais, integrantes de uma camada média que repudiava a política ditatorial adotada. No entanto, essa camada não possuía organização política própria, ou mesmo um projeto político específico, para ela a luta seria contra a ditadura e a favor de uma Constituição.
A classe operária, ainda pequena, encontrava-se desorganizada em virtude da política trabalhista de Vargas, que havia eliminado os setores mais organizados do movimento, os imigrantes italianos e suas tendências anarquistas e cooptava uma parte dessa classe com sua legislação inicial, paternalista e pelega.
Dessa forma é que as elites acabaram por comandar o movimento.
No dia 23 de maio de 1932, manifestações contra Getúlio Vargas eclodiam pela capital paulista, em um clima crescente de revolta. Um grupo tentou invadir a Liga Revolucionária – organização favorável ao regime situada nas proximidades da praça da República -, dando origem a um episódio que impulsionou o movimento.
MMDC – Os governistas resistiram a bala e acabaram matando os jovens Mário Martins de Almeida, Euclides Miragaia, Dráusio Marcondes de Sousa e Antônio Camargo de Andrade. Havia três mortos e dois feridos, que acabaram morrendo depois. O quinto ferido era o estudante Orlando de Oliveira Alvarenga.
As iniciais de Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo serviram para formar o MMDC. A sigla representava uma organização civil clandestina, que, entre outras atividades, oferecia treinamento militar.
Apesar de terem declarado a intenção de apoiar o movimento que nascia em São Paulo, os governos de Minas Gerais e Rio Grande do Sul acabaram recuando. O único apoio veio do Mato Grosso.
Percebendo a dificil situação em que se encontrava, iniciou-se em São Paulo uma intensa campanha de alistamento voluntário, a 10 de julho, em diversos postos distribuidos pelo estado. Na Faculdade de Direito do largo São Francisco formou-se o Batalhão Universitário.
Ao mesmo tempo a FIESP comanda um esforço de guerra, a aprtir do qual muitas fábricas passam a produzir material bélico ou de campanha, criando inclusive uma Milícia Industrial.
As rádios paulistas são utilizadas como instrumentos de propaganda. O locutor César Ladeira da Rádio Record, ficou conhecido como ” a voz da Revolução”
A 14 de julho o governador Pedro de Toledo decreta a criação de um bônus de guerra que desempenhe as funções de moeda. Para lastrea-lo foi lançada a campanha ” Doe ouro para o bem de São Paulo” centralizada pela associação comercial em conjunto com os bancos
O conflito envolveu, durante três meses, 135 mil brasileiros, dos quais cerca de 40 mil paulistas, a grande maioria voluntários civis
Os dados oficiais estimam que 630 paulistas e cerca de 200 homens das tropas federais morreram.
Com a derrota da Revolução Constitucionalista, seus principais líderes foram presos e levados para a Casa de Correção, no Rio de Janeiro, num área reservada para os prisioneiros políticos provenientes de São Paulo. Pouco tempo depois, na noite de 30 de novembro de 1932, os presos políticos foram colocado a bordo do navio Pedro I e deportados para Portugal.
DESFECHO POLÍTICO
Considera-se que a derrota militar de São Paulo foi acompanhada por uma vitória política: Com a derrota da Revolução Constitucionalista, em 1932, seus principais líderes foram presos. Entre eles se encontrava Júlio de Mesquita Filho, enviado com seus companheiros para a Sala da Capela – nome dado um pequeno recinto na Casa de Correção, do Rio, reservado para os prisioneiros políticos provenientes de São Paulo. Pouco tempo depois, na noite de 30 de novembro de 1932, ele e outros 75 companheiros foram colocado a bordo do navio Pedro I e deportados para Portugal. a organização de eleições e a formação de uma Assembléia Constituinte, que porá fim ao governo provisório. No entanto, a legislação eleitoral havia sido elaborada em fevereiro de 1932, e um decreto de 15 de março do mesmo ano, portanto antes da revolução, marcou para 3 de maio de 1933 a eleição dos deputados. A Assembléia iniciou seus trabalhos em 15 de novembro de 1933, sendo que a maioria dos deputados eram varguistas.
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