Na tentativa de explicar o que levou milhares de manifestantes a lotar as ruas de países do mundo árabe nas últimas semanas, analistas internacionais citaram, além da insatisfação popular com as dificuldades econômicas e a falta de liberdade política, vídeos no YouTube, posts no Twitter e relatos no Facebook. Em países como Tunísia e Egito, a internet ajudou a compor movimentos heterogêneos, apartidários e sem lideranças claras.
Atribuir as históricas revoltas no mundo árabe somente à circulação de informação na internet é ignorar as dificuldades econômicas e políticas de países que há décadas estão sob regimes autoritários. Na Tunísia, o primeiro a levar a insatisfação às ruas, a população jovem foi motivada a protestar principalmente por causa do aumento nos preços dos alimentos, a alta taxa de desemprego e a falta de oportunidades em uma sociedade extremamente fechada. Mas, utilizando a internet, eles conseguiram mais do que divulgar datas e locais de protesto: organizaram um movimento forte e multiplicaram a repercussão de suas ações.
Um dos estopins dos protestos na Tunísia foi a divulgação de um vídeo no qual um vendedor imola-se na cidade de Sidi Bouzid, em protesto contra o confisco de suas mercadorias por policiais. Filmado por tunisianos que estavam no local munidos de seus telefones celulares, o vídeo foi publicado no YouTube, compartilhado em redes sociais e transmitido pela emissora Al-Jazeera, alcançando grande número de espectadores árabes e, depois, ganhando o noticiário internacional. Sem a liderança de um partido ou organização específica, milhares se revoltaram contra o governo.
Para Faraz Sanei, pesquisador da organização Human Rights Watch, a internet impulsiona esse tipo de movimento sobretudo em países sob regimes políticos fechados, onde grupos opositores que poderiam liderar os protestos não têm permissão para atuar ou são vistos como pouco confiáveis. “Em locais onde é difícil emergir um líder natural, a internet facilita a mobilização dos cidadãos comuns”, afirmou, em entrevista ao iG.
O professor David Anderson, que leciona Política Africana na Universidade de Oxford, no Reino Unido, concorda. “No Egito e na Tunísia, a oposição é fragmentada e muito fraca. Por isso, os movimentos sociais oferecem uma base mais coerente para dissidência e protesto”, explicou.
Segundo ele, nos últimos dois anos a internet e os telefones celulares tiveram importância na organização de movimentos sociais em diferentes partes da África e no mundo árabe. Ele recomenda, porém, “cautela” ao analisar “onde esse tipo de mobilização pode nos levar”. “Esses movimentos carecem de coerência política, e não está claro se as alianças criadas durante os protestos vão se traduzir em algo concreto”, afirmou.
No Egito, o passo posterior à revolta parece ser a preocupação de grande parte dos manifestantes. “Onde isso vai dar?”, questionou o ativista egípcio Gasser Abdel-Razeq, em entrevista ao jornal americano “The New York Times”. “Como criar uma liderança que possa representar essas pessoas sem dividi-las?”
Até agora, grupos opositores como a Irmandade Muçulmana e líderes como o Prêmio Nobel da Paz de 2005 Mohamed ElBaradei ocuparam papel coadjuvante nos protestos. “Aqui todo mundo está andando sozinho e falando por si próprio, porque não há nenhum grupo que nos represente”, disse o manifestante Mohammed Nagi.
Censura online
O principal indicador de que a internet facilitou a mobilização popular no Egito foi a decisão do governo de interromper os serviços de telefone por mais de 24 horas e derrubar os provedores de internet por vários dias. Diante do bloqueio, os egípcios utilizaram máquinas de fax e aparelhos de rádio para circular informações sobre protestos, além de dicas sobre como usar modems discados para acessar a internet. O Google também desenvolveu uma ferramenta especial com a qual a população publicava conteúdo no Twitter por meio de mensagens de voz.
Outros governos já derrubaram a internet de todo o país para frear protestos, como Mianmar em 2007 e Nepal em 2005. Mas a maioria dos países, como China e Irã, usam formas mais sofisticadas de censura online, bloqueando endereços específicos e filtrando o conteúdo de sites de busca.
Ações como essas levam analistas como Evgeny Morozov, nascido na Bielo-Rússia, a rejeitar a ideia de que a internet seja uma ferramenta a favor da democracia. No livro “The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom” (“A Ilusão da Rede: O Lado Negro da Liberdade na Internet”), ele argumenta que sites como Facebook e Twitter ajudam governos autoritários a monitorar dissidentes, conhecer seus hábitos e coletar informações sobre seus parentes e familiares.
O pesquisador da Human Rights Watch também vê o lado potencialmente perigoso das redes sociais. “Quando você posta algo no Twitter ou no Facebook, deixa um rastro eletrônico”, explicou Sanei. “Seus amigos podem ler o que você escreve, mas o governo também pode.”
Sanei, que estuda a situação dos direitos humanos no Irã, afirma que o governo do país aprimorou consideravelmente suas técnicas de monitoramento de cidadãos pela internet desde 2009, quando foi “pego de surpresa” pela imensa quantidade de informações compartilhadas nas redes sociais sobre osprotestos contra a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad.
Hoje, a Guarda Revolucionária, principal força econômica e política que protege o regime, afirma ter um “Exército virtual” capaz de tornar conexões mais lentas, bloquear e até derrubar sites considerados indecentes por ter conteúdo pornográfico ou propaganda de bebidas alcoólicas, por exemplo.
Segundo Sanei, a mesma tecnologia é usada para punir dissidentes. “A Guarda Revolucionária monitora indivíduos nas redes sociais, que muitas vezes são perseguidos, presos e processados por crime contra a segurança nacional”, afirmou.
O pesquisador lamenta que a forte repressão nas ruas tenha sufocado os protestos sociais no Irã e o aumento da censura tenha limitado a ação dos dissidentes na web. “O fato de a internet ser algo relativamente novo não significa que disseminar e acessar informação online não seja um direito fundamental”, afirmou.