Um relatório divulgado nesta quinta-feira pelo Greenpeace afirma que a água utilizada para consumo humano na área da mina de urânio de Caetité, no sertão da Bahia, está contaminada.
PRODUÇÃO É USADA PARA ABASTECER USINAS NUCLERARES
"Resultados (de análises) comprovam que há contaminação por urânio na água usada para consumo humano na área de influência direta da INB (a estatal Indústrias Nucleares do Brasil) em Caetité", afirma o relatório Ciclo do perigo: impactos da produção de combustível nuclear no Brasil.
Segundo o Greenpeace, análises preliminares "mostram que pelo menos duas amostras de água utilizada para consumo humano apresentam contaminação por urânio muito acima dos índices máximos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da legislação brasileira do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama)".
A mina de urânio de Caetité é gerenciada desde 2000 pela INB, controlada pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e subordinada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, responsável pelo complexo de extração e produção do yellow cake (concentrado de urânio), gerador do combustível para as usinas nucleares brasileiras.
Segundo o presidente da INB, Alfredo Tranjan, a empresa tem um programa de acompanhamento de meio ambiente, que monitora constantemente a água, o ar e alimentos na região, e não constatou problemas na área. "Os resultados são apresentados em relatórios enviados a todos os órgãos que nos licenciam e fiscalizam, como CNEN, Ibama e órgãos dos municípios", disse Tranjan à BBC Brasil.
"Esses resultados têm estado dentro dos limites estabelecidos pela legislação brasileira", disse ele, afirmando que os relatórios estão disponíveis para consulta. Em relação ao relatório do Greenpeace, o presidente da INB afirma ainda não ter lido o relatório e não saber como foram feitas as análises.
Procurado pela BBC Brasil, o Ministério da Ciência e Tecnologia informou por meio de sua assessoria de comunicação que não iria se pronunciar sobre o relatório do Greenpeace.
AMOSTRAS
De acordo com a ONG, as amostras foram coletadas em abril deste ano, em um raio de 20 quilômetros, que é a "área de influência direta da mina conforme definido no Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) do empreendimento", conforme a organização. A análise foi feita por um laboratório independente no Reino Unido.
"Uma das amostras de água foi coletada de um poço artesiano a cerca de oito quilômetros da mina e apresentou concentrações de urânio sete vezes maiores do que os limites máximos indicados pela OMS e cinco vezes maiores do que os especificados pelo Conama", diz o relatório.
Essa amostra continha 0,110 miligramas por litro (mg/L) de urânio, segundo o relatório. A OMS estabelece um limite de 0,015 mg/L, e o Conama, 0,02 mg/L.
O relatório diz que a ingestão contínua de urânio pode causar diversos danos à saúde, "tais como a ocorrência de câncer e problemas nos rins".
RISCOS CONHECIDOS
O Greenpeace afirma que os riscos de contaminação já eram conhecidos. O documento diz que dados obtidos através de pesquisa documental "revelam que os riscos de contaminação da água foram apontados no EIA/Rima (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental) do empreendimento, sendo, portanto, velhos conhecidos do INB e dos órgãos licenciadores e fiscalizadores da atividade de mineração de urânio, Ibama e Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN)".
A organização afirma que, segundo moradores, "o INB colhe amostras em intervalos regulares de 60 ou 90 dias para análises" e os habitantes não receberam informações da empresa sobre a qualidade da água.
Questionado sobre essa afirmação do relatório, o presidente da INB disse que o acompanhamento realizado na área não apontou irregularidades.
Em seu relatório, o Greenpeace também afirma que "os processos de licenciamento nuclear e ambiental da INB em Caetité são controversos".
Segundo o Greenpeace, a exploração da mina foi licenciada pelo Ibama e pela CNEN em 2002, mas "até hoje a INB não cumpriu a obrigação prevista no EIA/Rima e na licença da operação do Ibama de monitorar a saúde dos trabalhadores e da população que vive no raio de 20 quilômetros no entorno da mina".
O relatório diz ainda que a Autorização de Operação Inicial (AOI), concedida pela CNEN, "foi renovada pelo menos seis vezes, contrariando regras da própria comissão que permitem apenas duas renovações da autorização provisória".
De acordo com o presidente da INB, um estudo epidemiológico da região está em andamento, a cargo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Esse estudo deve verificar a incidência e as origens de casos de câncer na área.
"Esperamos os resultados para o fim do ano", disse Tranjan. "Serão divulgados e entregues aos órgãos de fiscalização."
O presidente da INB disse ainda que o Ministério da Saúde não tem registro de maior ocorrência de câncer na região.
Após a divulgação do relatório, o Greenpeace encaminhou a denúncia ao Ministério Público Federal da Bahia.
A organização pede "uma investigação ampla e independente sobre a qualidade da água e sobre as condições de saúde da população que vive no entorno da INB para identificar a fonte exata e a extensão da contaminação", além do fornecimento emergencial de água potável para a população atingida.
A ONG pede ainda a "realização urgente, sob mandato do Ministério Público Federal, de auditoria independente sobre a atuação da INB em Caetité".
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