Estou escrevendo a bordo de um jato, voando a 12 km de altura, com destino a Santa Cruz de La Sierra-Bolívia. Lá participarei do XVI Congresso Boliviano bienal de Cirurgia Cardiovascular... Estive no primeiro, há mais de 30 anos!
Impossível não recordar o voo para Santa Cruz na segunda metade dos anos 70! Acostumado a pilotar por todo o Brasil e países da América do Sul, a viagem para a Bolívia estava dentro da rotina costumeira.
Decolamos ao alvorecer: eu, minha esposa, um amigo, e um residente boliviano, que fazia treinamento em Cirurgia Cardíaca. O destino inicial era a cidade de Corumbá, onde faríamos todos os trâmites para a viagem internacional. Infelizmente, a documentação exigida para cruzar as fronteiras era mais complicada do que imaginávamos. Para cada documento conseguido, outro era necessário, com mais selos e mais carimbos!
Com toda esta burocracia, o dia esgotou-se. Decolamos as 17h40... e Logo escureceu! Naquela época a navegação era baseada apenas na Bússola, no Relógio e em Sinais de Rádio. O GPS ainda não tinha nem sido inventado! Apesar de saber que voaríamos sobre a Selva Amazônica, estávamos tranquilos, pois, seguiríamos a aerovia 47, que se inicia no Rio de Janeiro, passa sobre Corumbá, e termina em Santa Cruz. (Aerovia é um espaço aéreo, como uma estrada, balizado por rádios, que permitem manter a rota com precisão e segurança).
Constavam nas Cartas Aeronáuticas Radiofaróis, localizados a distâncias adequadas para manter-nos no curso certo. Depois de 30 minutos de voo, deveríamos passar sobre o primeiro marcador, o tempo esgotou-se e não recebemos sinal algum da baliza. Esperamos pelo segundo, terceiro, etc. nenhum estava funcionando.
Ficamos apreensivos, pois, voávamos sem qualquer indicação, que garantisse a orientação correta! Assaltaram-nos as lembranças do acidente aéreo ocorrido com o piloto Milton Terra Verdi e seu cunhado Antônio Augusto Gonçalves. Nos anos 60, eles fizeram um pouso forçado naquela selva e acabaram morrendo de sede e fome. Antônio morreu decorridos 40 dias, ao beber gasolina, atormentado pela sede! Milton sobreviveu mais 30, tendo escrito um diário transformado em livro: “O Diário da Morte: A tragédia do Cessna 140”, que todos havíamos lido! O tempo para chegarmos a Santa Cruz estava se esgotando e apesar de minha insistência, não conse-guíamos comunicar-nos com o aeroporto. Estaríamos perdidos à noite, sobre a imensa floresta? De repente, surge alta e clara, a voz do Centro de Controle do Rio de Janeiro.
Explico-lhe a situação, ele me acalma, informando que os radiofaróis estavam em pane, mas que o VOR de Santa Cruz (outro tipo de rádio orientador) mais preciso e mais potente estava funcionando. Deu-nos mais uma informação preciosa: um avião da FAB voava na mesma rota e entraria em contato conosco!
A chamada do Comandante do Avro foi de um auxílio inestimável, estava algumas milhas à nossa frente e já recebia o sinal do VOR (Very Omni Range). Esclareceu que havíamos nos atrasado, em relação aos tempos estimados, em virtude de um vento de proa de mais de 40 nós (75 km) que nos roubara a velocidade. Ele sobrevoava no momento o Rio Grande, iluminado por um luar que inundava a escuridão.
Em 15 minutos, avistamos o Rio enluarado. O ponteiro do VOR ficou “vivo”, indicando-nos que estáva-mos no rumo certo, aliviando-nos de toda a angústia. Mais 20 minutos pousamos no aeroporto SLVR, o Viru Viru, de Santa Cruz!
São histórias dos tempos românticos da aviação, em que dependíamos muito de nós, das máquinas e da solidariedade humana.
PROF. DR. DOMINGO BRAILE
Presidente do Conselho de Adm. Braile Biomédica
Fonte: http://www.facebook.com/brailebiomedica