Após matar o único filho, um rapaz de 24 anos dependente de crack, durante uma briga na Páscoa, a consultora aposentada Flávia Costa Hahn, 60, diz que pretende atuar em organizações de apoio a famílias de usuários de drogas.
Flávia conta que o filho, Tobias Lee Manfred Hahn, a submetia a constantes ameaças e chantagens. O disparo aconteceu durante uma briga por mais dinheiro, na casa da família, em um bairro de classe média alta de Porto Alegre (RS).
Após ser empurrada pelo filho sobre vidros quebrados e sofrer agressões, Flávia diz que pegou a arma, mas que o disparo ocorreu acidentalmente, enquanto o marido, que é colecionador, tentava tomar o revólver dela. Ela não quis dar detalhes sobre o momento do tiro. Flávia responde ao processo em liberdade. Ela diz que não consegue mais dormir.
FOLHA - Como foi que a sra. percebeu que ele era usuário de drogas?
FLÁVIA HAHN - Eu trabalhava, meu marido trabalhava, mas sempre acompanhei o desempenho dele. As notas caíram e ele começou a perder o ano. Ele começou a fumar maconha com 14 anos, dormia muito, não queria levantar de manhã. Fui dando conselho, fui xingando, mas não adiantou. Com 17 anos, junto com uma namorada, começou com a cocaína.
FOLHA - E o crack?
FLÁVIA - Em 2002, quando voltei de uma viagem, coisas de casa tinham desaparecido. Depois, para não pegar as coisas de casa, ele fazia pequenos assaltos. Acho que ele já estava no crack, mas nunca tinha ouvido falar disso. Entre 2002 e 2006, morei em Brasília e no Rio. Não tive problema com ele, fora a maconha. Fui transferida de volta para cá. Fiquei feliz, mas foi aí que o inferno começou.
FOLHA - O que aconteceu?
FLÁVIA - Aqui tem boca de tráfico em todo lugar. Como eu dava dinheiro, ele não precisava assaltar. Daí começou a me obrigar a dar dinheiro todo dia.
FOLHA - Obrigava como?
FLÁVIA - Ele ameaçava pôr fogo na casa, quebrar os vidros. Quando eu não dava dinheiro, ele atirava pedras. Desde outubro ele estava fumando todo dia. Ele foi internado seis vezes, ficava pouco tempo, 30 dias.
FOLHA - As internações não funcionaram?
FLÁVIA - Ele tinha que ficar um período mais longo internado, talvez um ano. Estava tentando levá-lo a uma fazenda.
FOLHA - O que houve naquele dia?
FLÁVIA - Entre o sábado e a madrugada ele já tinha pego quase R$ 100. Às 2h, dei mais R$ 20. Às 3h, ele voltou e pediu para ir com ele até um posto para comprar cigarro, cerveja. Aí ele me pediu para ir ao caixa eletrônico para sacar mais R$ 20.
FOLHA - E por que a sra. foi?
FLÁVIA - Tinha tão pouco dele e ele pelo menos estava conversando comigo. Ele não tinha comido nada, me pediu uma pizza. Voltamos conversando. Dei mais R$ 20. Perto de casa, ele tomou outro caminho, foi comprar mais droga, já estava havia três dias sem dormir. Só apareceu em casa à tarde.
FOLHA - E o tiro?
FLÁVIA - Ele ficou me ameaçando. Só posso dizer que foi um acidente. Eu não apontei a arma para o meu filho. Foi só um tiro que saiu da arma. Ele estava correndo, foi um acidente quando meu marido estava me tirando a arma da mão.
FOLHA - Já tinha usado uma arma antes?
FLÁVIA - Meu marido é colecionador. Já toquei numa arma, mas eu não manuseava, tenho medo de tudo.
FOLHA - O que aconteceu depois?
FLÁVIA - Sento aqui e penso que ele está ali [aponta para o jardim]. É uma ausência, um vazio infinito. Não vou ficar nesta casa. Vou alugar ou vender.
FOLHA - O que a sra. vai fazer?
FLÁVIA - Queria ajudar outras pessoas. Quem está envolvido têm entre 14 e 25 anos, e os pais não têm informação adequada. Considero-me uma pessoa instruída, mas até saber o que deveria fazer demorou muito. O crack aumentou repentinamente. Os governos prometem, mas não se faz nada. Quero dizer para as mães que não desistam. Que se, entre mil, um se salvar, talvez seja o filho delas. Eu não consegui salvar o meu.
|