Primeiro, Sarney afirma que "de certo modo, a mídia passou a ser uma inimiga das instituições representativas". Imediato, vem o mal estar provocado pelo rasgo verborrágico do senador "amaparanhense", emblematicamente proferido numa data dedicada à celebração do Dia Internacional da Democracia.
Sarney tenta então retificar uma frase mais do que eloquente, como se tentasse sustentar que o resultado de 2 + 2 é diferente de 4.
Na previsível defesa apresentada por meio de nota, alega a velha má interpretação e descontextualização, mesmo sendo a frase de todo enfática, direta e pouco dada a distorções.
Veja o que diz a nota oficial divulgada pela assessoria de Sarney, buscando justificar a fala da véspera:
"A tecnologia, hoje, levou os instrumentos de comunicação a tal nível que, a grande discussão que se trava é justamente esta: quem representa o povo? Diz a mídia: somos nós, e dizemos nós representantes do povo: somos nós. É dessa contradição que existe hoje, um contra o outro, que, de certo modo, a mídia passou a ser uma inimiga das instituições representativas".
Com o perdão do lugar-comum, o fato é que a emenda saiu pior do que o soneto.
Pela explicação, a única coisa que Sarney consegue é mostrar que erra duas vezes: no diagnóstico enviesado de que a mídia vai de encontro ao ditos "representantes do povo", e, num segundo momento, ao definir toscamente o próprio papel da mídia.
A imprensa, ao contrário do que profere o engodo mal intencionado do senador, não se presta a representar politicamente ninguém. Seu grande mote é prover um vasto painel social, em que sejam tratados os mais diversos assuntos de interesse público (ou de parte suficientemente representativa desse público), e que fomente debates e reflexões a partir daí, com vistas à evolução do homem, de suas relações sociais e do próprio conceito de cidadania.
Isso toca diretamente na esfera da representação política, na medida em que, nas democracias propriamente ditas, os mandatos eletivos são como procurações, conferidas pelos cidadãos aos representantes, escolhidos por meio das urnas. Um cenário em que a informação livre e a publicidade dos atos são elementos primordiais, ou o preâmbulo de uma imprensa viva e vívida.
Mas essas noções talvez sejam por demais complexas aos que praticam a política rasteira, de atos secretos, favorecimentos mil e flagrantes distorções entre a coisa pública e a esfera privada.
E mesmo com a saraivada de "secretices" que gozaram da conivência de Sarney, o imperador amaparanhense ainda afirma que o Congresso está sujeito a mais críticas porque age "às claras", enquanto os demais poderes tomam decisões "isoladas".
São tantas aberrações nas anômalas letras do imortal Sarney, que, numa eventual entrevista com sua excelência, só teria uma pergunta: em que mundo ele vive (para sempre)?