Existe uma assertiva com aparência de provérbio, pela sua concisão e realidade que são incontestáveis: Toda grande caminhada começa sempre pelo primeiro passo! Óbvia por natureza, convida-nos, no entanto, à seguinte reflexão: Se os sentidos do caminhante – sobretudo a visão – não estiverem profundamente ajustados, a jornada será cheia de percalços e tropeços. Foi justamente o que aconteceu – e vem acontecendo no Brasil – quando se implantou o conhecido e muito importante Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional / SPHAN (que muitos insistem em pronunciar: Sfan, sendo que o segmento consonantal ph já não se pronuncia como se fosse um f !...). Pois bem, este órgão de âmbito nacional foi criado, no ano de 1936, em caráter provisório, com o nome de Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), sendo regulamentadas as suas atividades no ano seguinte. Aliás, este órgão teve como seu embrião a antiga Inspetoria de Monumentos Nacionais (IPM), tudo isto durante o Estado Novo, tendo à frente do Ministério da Educação e Saúde o ministro Gustavo Capanema (1900-1985). A sua implantação deve-se muito ao benéfico ideário da Semana de Arte Moderna (1922), sendo Mario de Andrade e Rodrigo de Melo Franco os seus maiores corifeus, secundados, logo depois, pelo poeta Carlos Drummond de Andrade. Louvável em todos os sentidos, este órgão – não sei porque motivo – talvez pela visão destorcida dos próprios meios de comunicação de massa, passou a enfatizar a preservação dos bens arquitetônicos representados pelas “cidades históricas”, a começar pela cidade de Ouro Preto, antiga Vila Rica, ao lado de poucas outras – pouquíssimas – espalhadas não apenas por Minas Gerais, mas também, por outros Estados. Esta visão consubstanciada na expressão estereotipada Cidades históricas, orientada – ou não – por aquele órgão, parece-me totalmente descabida, pois todas as cidades são históricas, pelo simples fato de que ao lado da História dita Nacional, Estadual ou Regional, co-existe também uma história municipal ou, até mesmo, uma história Distrital . Daí, ser muito perigosa e desastrosa a interpretação por parte dos responsáveis pela coisa pública: prefeitos e vereadores! Com a limitação cultural de alguns deles, bem poderão sair com esta: “A nossa cidade não está classificada como histórica, portanto, não é preciso preservar nada!..” A partir daí, haja demolição e mais demolição, tudo em nome do modernoso (para rimar com horroso!). É o império da descaracterização! Eis aqui uma visão míope num país de cultura surgente! Melhor seria – volto a repetir – que o SPHAN tivesse lutado, sob a forma de campanhas, para que todas as nossas cidades preservassem, ao máximo, os seus patrimônios artísticos e culturais, mesmo os daquelas cidades cuja história não obteve repercussão nacional. Os nossos municípios – e respectivos distritos – não esqueçamos – são as células do nosso país-continente: são 5.565 (cinco mil seiscentos e sessenta e cinco !) e a nossa cultura em termos gerais – não pode nunca ser explicada por meio tão-somente das ditas “cidades históricas”, pois ignorar ou destruir o patrimônio artístico e histórico dos demais municípios é empobrecer ou mutilar os embriões de nossa cultura incipiente!