No mundo das letras, e da poética em especial, nós sempre deparamos passagens, registros e exegeses que nos convidam à reflexão caso, as antenas do nosso espírito estejam bem ligadas. Às vezes, no caso das regras gramaticais aplicadas ao exercício da poesia, denominam-se licenças poéticas (= liberdade que têm o poeta, algumas vezes, de transgredir – ao seu bel-prazer – as normas da poética ou da gramática). Para o exercício da literatura, quando se desrespeita totalmente a realidade, ou seja, não se leva em conta a verrossimilhança, ainda não existe, infelizmente, uma licença verossínil, e, por isto mesmo, um poeta brasileiro ignorou totalmente a realidade, criando uma licençazinha verossimilhante, para dar azo à sua própria imaginação. A realidade – valor secundário – que vá para o inferno! Foi o que, justamente, aconteceu com o nosso poeta-mor, maranhense ilustre, Gonçalves Dias (1823-1864), dono de uma imaginação frondosa, exuberante,inflacionada, como a de todos os vates românticos, que se saiu com uma sextilha repetida em nossas escolas, desde as primeiras letras:
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá
(Coimbra, julho, 1843. Titulo do poema: Canção do exílio).
Pois bem, este poeta descompromissado com a verossimilhança normal, imaginou uma ave canora dando o seu concertinho mavioso nos galhos de alguma palmeira farfalhante. Acontece que os ornitólogos, aqueles sábios bisbilhoteiros que passam grande parte de suas vidas devassando a das aves – daqui e dacolá – são todos unânimes em afirmar: O sabiá não canta em palmeiras, porque nelas jamais pousam! A imaginação romântica geralmente trabalha com a sua supra-realidade e, poucas vez, com a realidade propriamente dita... Os poetas, usineiros do sonho, criam, remontam e descrevem uma realidade pessoal, exclusivamente fruto de sua própria imaginação, o que vale dizer: uma realidade fantástica e, portanto muitíssima distanciada daquela do senso comum, ou seja, a realidade que os demais olhos enxergam! Respeitemo-la!