A decisão dos pais de uma jovem francesa com paralisia cerebral de mostrar a vida da deficiente em tempo real na internet, com a utilização de uma câmera, provocou polêmica no país sobre a finalidade de iniciativas desse tipo. Anne, 32 anos, nasceu com paralisia cerebral, o que afetou totalmente sua coordenação motora e sua fala. Segundo seus pais, Chantal e Didier Lamic, a jovem necessita dos mesmos tipos de cuidados de um recém-nascido.
Didier Lamic disse à BBC Brasil que o objetivo da iniciativa é lançar o debate sobre a situação das pessoas portadoras de deficiência na França e favorecer a integração social delas.
"A ideia é valorizar Anne e tirá-la do seu estado de exclusão utilizando meios modernos de comunicação", afirmou Lamic, que mora em Tallard, na região dos Alpes franceses. Ele criou, em agosto passado, o site O mundo de Anne, que apresenta atualmente fotos e a história de sua filha e conta eventos de sua vida e gostos pessoais.
"Nós temos o direito de sair do silêncio", diz a página, ao comentar a iniciativa de instalar uma câmera que filmará Anne em tempo real e que deve começar a funcionar no final de novembro. O site também informa sobre a doença de Anne e discute assuntos como a integração social e a filosofia da deficiência mental e física.
Repercussão inesperada
Lamic, que vive em um vilarejo de 2 mil habitantes, não esperava a grande repercussão que a notícia de que Anne seria filmada, divulgada pelo jornal Le Parisien, teria na França. Em apenas três dias, o site foi visitado por 45 mil pessoas. Antes da divulgação da informação, O mundo de Anne havia sido visto por três mil pessoas.
Segundo Lamic, a grande maioria das mais de mil mensagens recebidas no site nos últimos três dias foi de apoio à iniciativa de instalar a webcam. "Algumas pessoas, no entanto, fizeram comentários extremamente negativos, até mesmo preconceituosos", diz ele.
Representantes de várias associações ligadas ao tema na França questionaram se a intimidade dos deficientes deveria ser mostrada dessa forma. Jean-Marie Barbier, presidente da Associação das Pessoas com Paralisia na França, afirma que a iniciativa "não é um método que ele utilizaria" e diz temer que isso leve a extremismos.
O escritor Jean-Louis Fournier, autor do livro Aonde Vamos, Papai?, sobre seus dois filhos deficientes, questiona se Anne irá perceber que está sendo filmada e se gostaria que disso. "Não é possível fazer uma triagem das pessoas que vão observá-la. Os pais vão exibi-la a pessoas que não merecem vê-la e que o farão por más razões", afirma o escritor.
Sem reality shows
O pai de Anne diz que "não se trata de exibicionismo" e que a iniciativa não representa uma versão de reality shows, como o Big Brother, sobre deficientes. Ele afirma ainda ter certeza de que Anne não se opõe ao fato de ser filmada.
Mas diante das críticas de associações, ainda que moderadas em alguns casos, Lamic decidiu se encontrar com representantes dessas organizações nos próximos dias para discutir o assunto. Ele diz que enquanto espera a câmera chegar do exterior, nas próximas semanas, aproveitará para refletir sobre a iniciativa, que provocou controvérsias.
"Vamos discutir com as associações para termos uma ideia mais global", afirma, ressaltando que, pelo momento, ainda não descartou o projeto.