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MEU ENCONTRO DECEPCIONANTE COM UM FAMOSO DRAMATURGO FRANCO-ROMENO
Ático Vilas-Boas da Mota, sábado, 5 de dezembro de 2009
MEU ENCONTRO DECEPCIONANTE COM UM FAMOSO DRAMATURGO FRANCO-ROMENO

O exercício de recordar é muito gratificante quando a memória nos oferece a possibilidade de nela encontrarmos um álbum de velhas fotografias para folhearmos o ontem com sabor de hoje. Que o diga Marcel Proust: À la recherche du temps perdu! Assim, certa vez, conheci bem de perto um famoso escritor franco-romeno: Eugênio Ionesco! Não sei porque me deu na telha de realizar este desejo. Geralmente, nunca gostei de topar de cara com os meus ídolos humanos: escritores, artistas, cientistas, enfim, pessoas que se tornaram célebres e, por isto mesmo, mitos inabordáveis. Os poucos que tive a oportunidade de encará-los foi como rompessem todos os vasos cristalinos da minha ilusão! Antes, todos eles eram para mim: seres diáfanos, fantásticos, fabulosos, portanto, muito distanciados da nossa crua realidade. Qual nada! Ao conhecê-los, a minha fantasia ia por água abaixo. Tudo virava pelo avesso desconcertante, porque não eram muito diferentes dos demais pobres mortais: Espirram, soam o nariz, tossem, resmungam e até xingam, enfim, fazem tudo aquilo que assinala o comportamento de qualquer ser humano.


Para pôr fim a esse começo de conversa, vamos logo ao assunto: Mas, antes de fazê-lo, fiquei convencido de que o sonho e a realidade nem sempre andam de braços dados. Não se dão muito bem!


Sempre enxerguei em Eugenio Ionesco (1909-1993), o protótipo do romeno, um personagem herdeiro, portanto, de muitos valores diferentes dos outros mortais. O povo romeno possui alguns valores históricos que o deferem dos demais!


Vamos aos fatos: Um belo dia, que já vai bem longe, quando eu lecionava na Universidade Federal de Goiás (Goiânia), numa fase áurea, minha simpática colega de magistério, Neide Faria, já integrando os quadros da Universidade Nacional de Brasília, titular de Literatura Francesa, lançou-me, por telefone, um irrecusável convite: “Prof. Ático, o senhor que gosta tanto da cultura romena, não gostaria de conhecer, pessoalmente, o dramaturgo Ionesco? Eu já tenho uma entrevista marcada com ele, aqui, no Hotel Nacional?” 


Viajei. Lá chegando, fomos recebidos pelo famoso casal: Ionescu e Rodica, sua cara metade, que era um pouco mais da metade do tamanho dele! Baixinha, sempre escondida atrás das meias palavras ou suspensivas reticências... Mas ele, língua solta, ia bordando o dialogo com suas “boutades” antológicas. Logo no início da entrevista, eu quis usar a língua romena como uma espécie de abre-porta sentimental, pensando atingir o arquivo de sua romenidade. Puro engano! O homem, friamente, teimava em responder-me na língua de Racine. A conversa prossegue. Mais adiante, volto a insistir, procurando burilar o meu romeno aprendido com esforço e entusiasmo. Nada! As respostas, engraçadas, me vinham sempre na língua de Vitor Hugo! Não perdi a esperança: tentei, mais uma vez, alcançar as profundezas de sua alma, indagando-lhe sobre sua formação universitária concluída na Romênia. Não se comoveu! Eu sabia muitos pormenores de sua biografia: Nascera em Slatina (Bucovina), em 1909, e só se estabelecera em Paris, definitivamente, em 1945, portanto as suas vivências da infância e mocidade – importantes na vida de qualquer ser humano – deviam ter-lhe marcado o espírito, sobretudo as de Bucareste, onde concluira o curso universitário.


Sua fidelidade à França era inegável, haja vista que a sua primogênita fora batizada com o nome sonoro de Maria França. Será bom relembrar que Ionesco era filho de uma senhora de ascendência francesa. Aliás, a sua admiração incondicional pela França, a quem ele muito devia é um gesto de gratidão muito louvável, mas não precisava esquivar-se tanto em usar a língua de sua infância e mocidade, dando-me a falsa impressão de que a esquecera!


Naquela entrevista inesquecível pensei: Como os seres humanos são tão diferentes e, até certo ponto, contraditórios! Lembrei-me, então, de Stefan Baciu (1918-1993), escritor romeno, exilado político, que viveu no Brasil 13 anos e, ao ser recebido, fraternalmente, por Manuel Bandeira (1886-1968) – nosso grande poeta modernista – deste ouviu a bela estrofe de Sion:


Multe e dulce si frumoasa


limba ce vorbim,


alta limba armonioasa


Ca ea nu gasim


(= É muito doce e formosa


a língua que falamos


outra língua harmoniosa


Igual a ela não achamos!)


Estas palavras pronunciadas por um brasileiro foram suficientes para Baciu registrar a sua emoção nos seus textos memorialistas. Dai a minha estranheza pelo fato de Ionesco não ter usado a língua da aurora de sua vida e somente aquela do zênite da sua fama internacional! A minha estranheza duplicou-se porque todos romenos geralmente consideram a sua língua como o melhor referente para a prática da fidelidade cultural. Desta forma, se a língua é um valor de afirmação para o povo romeno – fusão de dácios e romanos – a romenidade de Ionesco, pelo menos, naquela circunstância, apresentou-se insuficiente, ou, talvez, subdividida!


Um registro curioso: Ao sairmos, o casal Ionesco acompanhou-nos até o elevador. No trajeto, pude perceber que eles cochichavam em romeno, o que me causou surpresa ainda maior: Será que eles só usavam exclusivamente aquela língua no universo familiar e não diante de indiscretos profanos?


Enfim, somente a Divina Providência pode explicar e julgar tamanha indiferença daquele dramaturgo em relação ao uso do idioma romeno. Talvez eu seja muito exigente ao cobrar de alguém um testemunho de coerência, pois, naquela circunstância, ele devia ter algum motivo muito sério para não usá-lo. Respeitemos a liberdade dos outros e fiquemos muito mais próximo do amor ao próximo!


 
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