Todos conhecem o caso do menino Sean. Gilmar Mendes, presidente do STF, decidiu nesta terça-feira que o garoto deve ser entregue ao pai, David Goldman. Chega ao fim, ao menos espera-se que assim seja, um caso que se reveste com todas as tintas do absurdo, inclusive os jurídicos.
A entrega de Sean a seu pai obedece rigorosamente a todos os ditames das leis brasileiras, das leis americanas e, acima de tudo, dos tratados que regulam as relações entre os países. Ou bem se tomava essa decisão, ou bem o Brasil passaria a lidar com a legalização de uma variante do seqüestro. Ainda que a mãe da criança estivesse viva, David Goldman teria de reclamar os seus direitos — uma vez que o menino, QUE É AMERICANO!!!, foi retirado do seu convívio sem prévio consentimento.
É claro que há a questão emocional — sempre há, especialmente quando existem crianças envolvidas na história. Mas a Justiça não pode decidir com base nesse caldo, ignorando o que diz explicitamente a lei. Que as duas famílias tentem entrar num entendimento para regularizar a convivência. O que não é aceitável é que prevaleça uma espécie de luta entre “a boa família brasileira” e um “pai suspeito americano”.
A história de que se deve decidir o que é melhor para a criança não pode ser usada como pretexto para cassar direitos ou para tomar decisões fora do texto legal. A ser assim, devemos agora proceder a uma enorme, como posso chamar?, “expropriação” de crianças com base na suposição, ou mesmo constatação, de que elas poderiam ter pais mais adequados.
É importante destacar que o Brasil já se viu na situação contrária: crianças nascidas aqui foram levadas aos EUA — e a outros países — ao arrepio do pai ou da mãe brasileiros. E o Brasil fez o certo, como fizeram os EUA: exigiu o seu retorno com base na Convenção de Haia.
Aqueles sempre dispostos a pensar com o fígado e a ignorar o que diz a lei aproveitarão, claro, para criticar o ministro Gilmar Mendes, que fez, mais uma vez, a coisa certa. Ou era isso, ou o país fazia a escolha pela legalização do seqüestro. E não poderia nunca mais reclamar quando um cidadão incapaz, nascido aqui, fosse subtraído sem autorização do pai ou da mãe.
Essa questão não se presta àquela patuscada emocional-nacionalista que se tentou criar no Rio, como se o eixo Ipanema-Leblon-Copacabana pudesse ter o seu próprio Judiciário. Não pode. As leis brasileiras e a Convenção de Haia também valem ali. E mesmo os fidalgos estão obrigados a cumprir o que está escrito e acordado.
Que os adultos saibam exercitar o seu amor responsável dentro da lei. Garanto que é possível.