Sobre o granizo em BH e as mudanças climáticas.
Que o clima está mudando, ninguém mais parece duvidar. Interessante, como me lembra meu sogro, quase 80 anos bem vividos entre muitas pescarias, caçadas, e muita proximidade da natureza: o homem parece que é o último que está percebendo que alguma coisa está errada em nosso clima.
Também pudera: nós, seres humanos, não estamos afetos aos sistemas climáticos. Vivemos em nossas moradias e em nossos ambientes de trabalho, com sistemas de ventilação, aquecimento, resfriamento... por métodos dos mais sofisticados aos mais simples, todos nos protegemos do clima. Usamos roupas, sejam leves ou agasalhos, na moda ou fora da moda, nos movimentamos em carros, ônibus, trens, modificamos as áreas urbanas e rurais, sempre criando ambientes modificados artificialmente, em função de nosso conforto frente às variações de temperaturas, ventos, chuvas, etc... Então, somos os últimos a saber, ou, pelo menos, somos os últimos a perceber as mudanças climáticas.
E então, quem irá responder?
O granizo descomunal que desabou sobre Belo Horizonte (mais especificamente na região da pampulha) no dia 17 de setembro, quarta-feira passada, foi conseqüência ou não das mudanças climáticas globais?
(Veja algumas imagens enviadas por internautas)
O clima não é nada mais do que a oscilação do nível de energia a que estamos submetidos a partir da radiação solar. A energia solar não se converte apenas em calor (temperatura): ela também provoca a evaporação da água (e consequentemente as chuvas), os ventos, as correntes marinhas, a formação e derretimento de geleiras e calotas polares, etc., etc. Mas os sistemas climáticos não são estáveis. Eles oscilam em torno de valores médios, e para cada local, região, teremos as características locais, que dependem de inúmeros fatores. Essas características locais são medidas em valores médios, obtidos pelas observações históricas (que são relativamente recentes, pois não existem estações meteorológicas muito anteriores a algumas décadas ou séculos), e pela oscilação em torno desses valores médios. Para essas variações do clima, encontramos também a ocorrência de valores e fenômenos extremos: temperaturas extremas, chuvas e enchentes extraordinárias, secas prolongadas, em algumas regiões os tornados, os furacões e ciclones extra-tropicais, etc.. Para que um evento, ou uma variação na média de observações sejam considerados anômalos, é preciso compará-los com as observações históricas, verificar se eles constituem uma modificação em relação ao esperado.
As mudanças climáticas que estamos sofrendo são mais fáceis de serem previstas enquanto uma tendência geral, global, do que serem medidas ou previstas em suas manifestações regionais e locais. A queima dos combustíveis fósseis, o desflorestamento, as atividades humanas mais diversas, estão afetando os níveis de concentração do gás carbônico (CO2), metano (CH4), e óxido nitroso (N2O), que são os principais gases responsáveis pelo efeito estufa. Graças a esses gases a Terra tem um clima ameno: eles funcionam na atmosfera de forma idêntica ao vidro ou plástico transparente usado nos aquecedores solares de aquecimento da água em nossas casas: eles deixam entrar a radiação solar que aquece a superfície, mas não deixa sair a radiação infravermelha emitida pela superfície aquecida, mantendo assim uma temperatura nessa superfície muito maior do que seria na ausência desse efeito. Por exemplo, se não fosse pelo efeito estufa, a temperatura média no planeta Terra seria de apenas, pasmem, -18°C (dezoito graus negativos!!!).... brrrr!
Nos últimos duzentos anos, a humanidade aumentou o nível de CO2 na atmosfera, de valores em torno de 280 ppm (parte por milhão) até os níveis atuais superiores a 390 ppm. Quase dobramos a concentração desse gás. Alterações similares ocorrem com os outros gases do efeito estufa. O resultado é inevitável: mudanças climáticas e aquecimento global.
Entretanto, fenômenos climáticos são sempre resultados de processos complexos, e dificilmente podemos afirmar com 100% de certeza quais serão as conseqüências das mudanças climáticas sobre os eventos médios e extremos em cada região. Podemos afirmar que as atividades humanas estão modificando a composição da atmosfera, e que essa composição tem correlação com o clima. Mas o clima terrestre sempre foi sujeito a mudanças, independente da ação humana: fatores naturais, tais como a precessão do eixo terrestre, a atividade solar, as correntes marinhas, também influenciam o clima, e certamente contribuíram para os ciclos glaciais e interglaciais que podem ser registrados nos últimos 500 mil anos. Antes dessa era, entretanto, o clima foi ainda mais modificado, pois se regredirmos nos milhões de anos de evolução do planeta, mudanças ainda mais pronunciadas ocorreram.
O que mais assusta, entretanto, é que mesmo nesses últimos 500 mil anos de tantas mudanças climáticas, envolvendo eras glaciais e interglaciais, em que se verificou o aparecimento e desaparecimento de tantas espécies (inclusive do próprio homem), em nenhum momento a concentração de CO2 na atmosfera esteve acima dos níveis em torno de 280 ppm (partes por milhão). O que significa dizer, que, em nenhum momento de todas as eras de aquecimento interglacial do planeta, a concentração dos gases de efeito estufa foi tão dramaticamente afetada, por nenhum fator natural, tal como está sendo afetada agora pela ação humana. Em outras palavras, nos últimos 200 anos, a humanidade nada mais fez do que dar uma incrível injeção de CO2 (e outros gases) na atmosfera, em níveis sem precedentes na escala geológica recente do planeta. As mudanças apenas estão começando: essa injeção de gases está apenas começando a fazer seus efeitos, e se a natureza já sentiu, agora a humanidade também começa a sentir, na própria pele, as mudanças climáticas.
Mesmo assim, para alguns, que são poucos e cada vez menos numerosos e cada vez menos convincentes, não deveríamos nos preocupar com as mudanças climáticas. Eles alegam que não temos a garantia de que elas são realmente de causas antropogênicas, e que outros fatores são mais relevantes. Mas, além de um indiscutível aumento da concentração de CO2 atmosférico, estamos também diante de fatos e eventos insofismáveis: o derretimento dramático das geleiras e calotas polares, o aumento das temperaturas médias em todos os continentes, o aumento de freqüência em eventos extremos, elevação dos níveis dos oceanos, até pingüins que chegam ao nordeste... Diante disso tudo, então é melhor não duvidar muito, você que está aí no seu conforto, diante de sua telinha de PC, conectado, e dependente de sua rede de energia elétrica, com seu ventilador ou ar condicionado ligado, e pensando em que tipo de carro gostaria de dirigir no futuro próximo, ou pensando e verificando o valor das ações na bolsa, no preço do petróleo e no valor do dólar... Se quiser duvidar das mudanças climáticas, duvide, e fique aí, esperando. A esse respeito, lembro-me de uma palestra que vi na TV alemã proferida por um jovem pesquisador que fez a seguinte observação: no momento em que tivermos 100% de certeza, aí vai ser tarde demais!!
De fato. A resposta da pergunta sobre o granizo é simples: Talvez! Chover granizo de forma intensa e em níveis assustadores, é algo que pode acontecer independente das mudanças climáticas, pois o clima apresenta variações naturais que podem resultar nesse tipo de fenômeno. Entretanto, se esse evento se manifestar de forma cada vez mais comum e freqüente do que a média das observações, então ele pode ser atribuído às mudanças climáticas. Somente nos resta então registrar mais esse evento em nossos bancos de dados de informações meteorológicas e vamos continuar medindo o que vai acontecendo com o nosso clima... vamos esperar para ver o que acontece... vamos continuar como estamos, para ver no que vai dar...
...ou vamos tomar medidas para combater as causas que podem estar levando a esse tipo de modificação, de ameaça, que paira sobre nós e nossos descendentes.
Cada um deve fazer sua opção, e adotar sua atitude!!
O que a comunidade científica, em sua esmagadora maioria, alerta, pode ser traduzido da seguinte maneira: cuidado você, governante e governado, público ou particular, pessoa física ou jurídica, eleitor ou eleito, cuidado vocês, seres humanos!! Vocês podem ter semeado ventos e podem estar colhendo tempestades, podem ter lançando gases e podem estar colhendo granizo!! Podem ter criado valores e lucros financeiros, e estarem colhendo desastres e catástrofes ambientais.
Em suma, na natureza, tudo o que lançamos, retorna, tudo o que vai, volta, e tudo o que sobe, desce. De uma forma ou de outra.
Só falta, agora, chover canivete!!!
* Gilberto Caldeira é engenheiro químico e mestre em engenharia ambiental pela UFMG, doutorado na Universidade de Karslruhe (Alemanha). Atuou nos órgãos ambientais na esfera estadual (FEAM) e municipal (PBH). Atualmente, professor do DESA/UFMG, coordena projetos de pesquisas nas áreas de energias renováveis, emissões atmosféricas e mitigação de mudanças climáticas. Membro do painel de metodologias para o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) da Convenção Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC).