O seu cargo é o de coordenador de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento.
A função, com seria de se esperar, está dentro do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Que visões de futuro passarão na mente do condutor das políticas e programas de pesquisas científicas do ministério que cuida da ciência e da tecnologia de um dos países mais promissores do mundo?
Deve ser inebriante conversar com uma pessoa que pensa em todas as tendências tecnológicas mundiais, e nos rumos mais promissores e mais socialmente urgentes das pesquisas científicas, sem contar aquelas áreas em que se deve deixar a ciência ser ciência, sem utilitarismos, indo atrás daquilo que desafia a curiosidade humana em seu sentido mais nobre.
Bem, deveria. Infelizmente, aqui no Brasil, a visão de futuro daqueles de quem mais se espera, assemelham-se mais a faróis que tenham sido instalados na traseira de um carro.
O discurso desanimador pode ser resumido em uma única frase: "O futuro do País é explorar o potencial da nossa biodiversidade."
O personagem que pensa o futuro da nossa ciência, da nossa tecnologia e, por decorrência, do nosso desenvolvimento e bem-estar enquanto sociedade, acredita que devemos nos limitar a sermos agricultores, no máximo coletores de frutos e raízes de uma floresta que calhou de estar por aqui.
Por paradoxal que possa parecer, não incluo em minha crítica o personagem que falou a fala tão desastrada. Carlos Nobre merece o sobrenome enquanto cientista e homem público que se tornou, de resto talvez o mais bem talhado candidato atualmente disponível para ocupar o Ministério do Meio Ambiente.
Colocá-lo tão fora de sua especialidade mostra a incapacidade - ou, eventualmente, a má-fé - daqueles que dirigem o país e que deveriam procurar fazer com que cada área rendesse os melhores frutos, de forma que, após o entendimento entre os diversos grupos, no processo natural que marca a discussão política, o país tivesse os maiores benefícios.
Mas o que esperar de um governo que nada faz para combater uma situação cambial que está destruindo a indústria brasileira, pelo simples temor de alguém dizer que o Brasil não é assim tão bonzinho ou de levar nota baixa de agências de risco que já mostraram mais de uma vez a complicada rede de interesses de que fazem parteF?
Este governo provavelmente nada teria a dizer sobre desenvolvimento de software e de hardware, satélites artificiais, robótica, nanotecnologia, novos materiais, computação quântica, fotônica, spintrônica. É melhor se calar sobre aquilo que se pretende destruir. Ou sobre o que nada se sabe.
Quer o governo que nossa missão seja nos mantermos como um país agrário. Com todo o respeito ao setor agroindustrial e a todos os necessários cuidados com o meio ambiente que esse setor nunca teve. Trata-se sim, de incentivar a agricultura e, com os devidos cuidados, fomentar uma indústria de biocombustíveis, mas que seja um setor especializado na área de energia, e não de um subproduto do açúcar.
Nada a dizer contra esta ou aquela área porque, ao contrário do que o governo parece pensar, incentivar uma área não exige que se destrua outras.
O que se trata é de criar no Brasil um setor industrial, já que aquele que chegamos a ter até o fim do século passado, esse já está desenganado por uma política cambial maléfica e pela falta de instituições que incentivem a inovação tecnológica - cuja responsabilidade é das empresas, o que só aumenta os elogios às poucas inovações que vemos surgir nas universidades brasileiras.
Mas quais empresas? Empresas brasileiras que fabricam o que? Automóveis, computadores, chips, fibras sintéticas, satélites artificiais, equipamentos de telecomunicações, robôs?
Ou, já que queremos nos especializar em biodiversidade, seria o caso das empresas nacionais de fármacos, de novas moléculas, de materiais biomiméticos?
Difícil inventar o que ainda não existe em setores que também não existem.
E para as empresas nacionais que ainda restam, cuja participação no PIB cai ano a ano, será que não sabemos criar mecanismos para incentivar essas empresas a se tornarem inovadoras? É claro que sabemos. A Embrapa é um exemplo mundial de estrutura aberta e flexível, que tem produzido as maiores inovações da área. A Fiocruz não fica atrás, na área de saúde, apesar dos recursos aviltantes.
E por que não reproduzimos a experiência em outras áreas? Porque não queremos. Porque o Brasil como uma potência agrária, fornecedor de alimentos e insumos agrícolas e minerais é tudo o que o núcleo central da economia mundial necessita. Já temos Coreia, Índia, China e outros países que emergiram, não precisamos de mais, começa a ficar problemático demais dividir o mercado quando os jogadores são muitos.
Fomos tolerados enquanto tínhamos um presidente pitoresco, que ficava bem na fotografia com aqueles que querem fazer o discurso politicamente correto de posar ao lado de um operário que "deu certo".
Agora não temos nem isso, então só resta a verdade desnuda. O mundo precisa de um celeiro, e o Brasil aceitou passivamente a condição, sem ter forças de argumentar que temos condições de ser mais do que uma coisa única, que podemos plantar, criar e coletar sem precisarmos nos condenar a uma economia pobre e ultrapassada.
Não é o nosso futuro que está na exploração da biodiversidade, é o nosso passado.
Ciclo do pau-brasil, ciclo da borracha, ciclo da cana-de-açúcar, ciclo do cacau, ciclo do café, agora novo ciclo da cana-de-açúcar, que produz algum etanol quando os preços valem a pena - todos são ciclos de exploração da nossa biodiversidade.
Só escapa o ciclo do ouro porque ele não leva o "bio" no nome, mas é extrativista, já devidamente substituído pelo atual ciclo do minério de ferro, do alumínio, do nióbio e das rochas ornamentais (sim, o "mármore de carrara" do século XXI é brasileiro).
Devemos acabar com essas explorações tão biodiversas e tão mínero-diversas? Certamente que não, mas não se trata disso, trata-se daquilo que nos negamos o direito de construir: uma economia moderna, fundada em uma educação digna do nome, em mecanismos institucionais e legais que criem um ambiente de inovação e de desenvolvimento.
Por que não fazemos isso? Se eu ainda tivesse a ingenuidade de esperar alguma sinceridade na resposta, diria que essa pergunta poderia ser dirigida àqueles que nos guiam para o passado.