Traficante Nem diz que metade do seu faturamento ia para policiais
Num longo depoimento na sede da Polícia Federal na madrugada de ontem, acompanhado por um grupo restrito de policiais federais, o traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem, chefe do tráfico na Rocinha, preso anteontem na Lagoa, afirmou que metade de tudo que faturava com a venda de drogas era entregue a policiais civis e militares da banda podre. A propina gorda seria entregue a numerosos agentes públicos. O traficante deu detalhes, inclusive datas, de casos de extorsão. Ainda no depoimento, o criminoso afirmou que, devido às constantes extorsões, em alguns períodos seu faturamento era zero. Segundo algumas estimativas da Polícia Civil, não confirmadas no depoimento, o bandido faturava mais de R$100 milhões por ano.
- Metade do dinheiro que eu ganhava era para o "arrego" (gíria para propina) - afirmou Nem.
O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, disse em entrevista ao "RJ-TV", da TV Globo, que gostaria muito que Nem falasse mesmo o que sabe, por conhecer "a arquitetura do tráfico de drogas e como são os meandros da corrupção".
- Ele tem uma prestação de contas muito séria e importante a fazer à sociedade fluminense. Ele tem que prestar contas sobre a corrupção de agentes públicos. Eu acho que isso faria com que fosse dado um passo importante no combate à criminalidade - disse Beltrame, por telefone, de Berlim, onde está apresentando os projetos na área de segurança para a Copa e as Olimpíadas.
O bandido contou no depoimento que uma parte do seu lucro com a venda de drogas era gasta em assistencialismo na Rocinha, com pagamento de enterros, fornecimento de cestas básicas, compra de remédios e realização de obras.
- Quando me pediam, eu comprava tijolos e financiava a construção de casas na comunidade - disse.
PF diz que monitora outros traficantes
O delegado Victor Hugo Poubel, coordenador da Delegacia de Combate ao Crime Organizado da PF, garantiu que as informações passadas pelo bandido serão investigadas em inquérito. Poubel afirmou também que outras prisões podem ocorrer nos próximos dias e que a PF tem acompanhado a movimentação dos bandidos do Rio, em especial os da Rocinha.
- Nossos policiais da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) estão monitorando a movimentação de bandidos que porventura tentem fugir da Favela da Rocinha. Estamos trabalhando intensamente, com apoio da Secretaria de Segurança, numa troca constante de dados de inteligência - afirmou Poubel.
Durante a operação de anteontem na Gávea, quando o traficante Anderson Rosa Mendonça, o Coelho, chefe do tráfico no São Carlos e sócio de Nem, e seu braço direito Sandro Luiz de Paula Amorim, o Lindinho ou Peixe, foram presos pela PF, os agentes apreenderam pelo menos dez celulares. No verso dos aparelhos havia a etiqueta "arrego".
Coelho, no momento da prisão, estava sendo escoltado por três policiais civis, sendo dois da Delegacia de Repressão a Roubos e Furtos de Cargas (Carlos Renato Rodrigues Tenório e Wagner de Souza Neves) e um da Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Saúde Pública (Carlos Daniel Ferreira Dias). O grupo também contava com dois ex-PMs: José Faustino Silva e Flávio Melo dos Santos.
- Parece que cada celular tinha uma função. Achamos curioso: no verso de pelo menos dez dos aparelhos havia essa referência ao "arrego". Supomos que os traficantes usavam os celulares só para receber ligações da banda pobre e providenciar a propina - afirmou o delegado Fábio Andrade, da DRE da PF.
Coelho era um dos bandidos mais importantes da estrutura atual da Favela da Rocinha. Ele teria instalado vários laboratórios para refinar cocaína, trazendo da Bolívia pasta-base da droga. Além de controlar parte do complexo de São Carlos, atualmente ocupado por uma Unidade de Polícia Pacificadora, o criminoso foi encarregado de assumir também o comando das favelas de Macaé, após a morte do traficante Roupinol, ocorrida em 2010. Desde 2005, policiais federais investigavam o pagamento de propina a policiais da banda podre no Rio.