Projeto em tramitação no Senado legaliza a propriedade da Telmex/AT&T sobre a Net/Globo, abrindo a TV por assinatura para estrangeiros
A mídia, antes de ser oposição ao governo é, sobretudo, a mídia situacionista dos bancos e multinacionais.
Dirá o nosso assíduo leitor: que novidade há nisso? Ora, leitor, alguma sempre há. Vejamos os últimos dias: publicaram-se uns 400 ou 500 artigos, matérias, falações televisadas ou radiofônicas, e editoriais sobre o Ministério dos Transportes, sempre com o objetivo de isolar o governo da presidente Dilma e seu partido, o PT, quebrando a aliança que venceu as últimas eleições.
Enquanto isso, silenciosamente, com a completa cumplicidade dessa mesma mídia, um diretor da Nokia Mobile Phones e gerente da Nokia Siemens Networks – onde administrava a conta da Telefónica nessa multinacional germano-finlandesa – foi nomeado, sob os auspícios do Ministério das Comunicações, diretor comercial da Telebrás.
O sr. Rogério Boros, que atuou pela Nokia Siemens na Espanha, Brasil, Finlândia e Argentina, países em que, segundo diz seu currículo em inglês - e nós acreditamos - “participou de vários casos internacionais com as maiores operadoras na Europa e América Latina” (“participated of several international cases with major operators in Latin America and Europe”), foi elevado à diretoria da Telebrás no dia 11.
A nomeação de Boros corresponderia a nomear um diretor da Schlumberger, a multinacional dos serviços petrolíferos, para a diretoria da Petrobrás. O ministro Paulo Bernardo deve achar, provavelmente, que a Telebrás estará melhor se for conduzida pelo capital estrangeiro, que odeia a empresa tanto quanto ele mesmo.
Alguns dias antes, um conselheiro da Anatel, João Batista Rezende, foi flagrado quando confraternizava, no restaurante “A Bela Sintra”, de Brasília, com o diretor jurídico da Net, André Borges, e com o diretor de relações institucionais da Globo, José Francisco de Araújo Lima.
Antes de ser nomeado conselheiro da Anatel, João Batista Rezende era chefe de gabinete do ministro Paulo Bernardo – na época, titular do Planejamento.
“Por volta das 23h30, Rezende brindou a aprovação do projeto (PLC 116), cuja votação estava prevista para a quarta, mas que foi adiada para a próxima terça”.
O PLC 116 legaliza a propriedade da Telmex/AT&T sobre a Net. Hoje, como a lei proíbe companhias estrangeiras de abarcarem mais que 49% do capital votante das empresas de TV a cabo, a Globo serve de laranja para os testas de ferro mexicanos dos americanos (a globalização da picaretagem acaba redundando nessa espécie de trenzinho, leitor – desculpem, senhoras, mas que a imagem é apropriada, lá isso é).
Portanto, o conselheiro João Batista Rezende estava confraternizando com dois infratores da lei que está obrigado a fiscalizar – e brindou por antecipação à legalização da ilegalidade. Aliás, foi ele quem tomou a iniciativa do brinde, como, ao que parece, do jantar, uma vez que foi realizado em seu restaurante favorito (“inaugurado recentemente em Brasília, o restaurante é uma filial do estabelecimento homônimo da capital paulista - um dos preferidos de João Rezende, que, nos bastidores, trabalha para ser o próximo presidente da agência reguladora”).
Realmente, não seria o tipo de restaurante preferido pelos diretores da Net ou da Globo. Mas Rezende, pelo jeito, estava fiscalizando. Nada melhor para fiscalizar do que jantar com o fiscalizado... Não todos, é claro, mas com alguns – na verdade, um único. Porém, o brinde ao PLC 116 foi uma precipitação: o mais provável é que ele somente seja votado em agosto, depois do recesso parlamentar.
Interessante é que a descoberta das libações do conselheiro da Anatel com os diretores da Net e da Globo foi da “Folha de S. Paulo” - que, apesar de ter registrado o encontro com foto, enterrou o acontecimento debaixo de suas manchetes sobre o Ministério dos Transportes.
No entanto, trata-se de algo bem mais escandaloso do que qualquer coisa que o ministro Nascimento tenha feito de errado – se é que fez – em sua gestão. Nas telecomunicações, não são alguns milhões de reais que estão em jogo, mas bilhões, e, mesmo, centenas de bilhões de dólares.
E, há mais: a Net e a Globo, no momento, querem mudar o regulamento projetado pela Anatel para a TV a cabo, porque ele estabelece restrições à expansão de empresas com “poder de mercado significativo” (PMS), e só existe uma empresa de TV a cabo com esse “PMS” - a Net.
Quem tem poder de mudar esse regulamento são os cinco conselheiros da Anatel: “... no jantar, Rezende disse que será o relator final do regulamento. Prometeu que seria revista a questão do poder de mercado e que, uma vez aprovado o projeto, o regulamento vigoraria em até 40 dias. O problema é que, pelas regras da Anatel, os regulamentos devem ser sorteados entre os conselheiros. O código de conduta da União também não permite que encontros dessa natureza ocorram. A Net é regulada pela Anatel. A Folha apurou que a empresa pagou integralmente a conta, de R$ 200 por pessoa”.
Em nota, o conselheiro disse que no encontro “foram tratados assuntos relacionados à regulamentação das telecomunicações em geral e ao serviço de TV por assinatura em particular”. Naturalmente, o “A Bela Sintra” é o fórum adequado para tratar desses assuntos. Mas bem que ele podia, pelo menos, ter pago pelo que comeu e bebeu.
Pode ser que o conselheiro tenha se reunido com a Net e a Globo, feito suas promessas e brindes, aceitado que pagassem a sua conta, apenas por ideologia. Seria uma corrupção pior do que aquela que advém do dinheiro – além de tola. Mas não sabemos o que motivou o ex-chefe de gabinete do atual ministro das Comunicações a ato tão pouco decoroso. O inacreditável é que ele continue conselheiro da Anatel, protegido por um mandato que o povo não lhe deu, e que ninguém fale em defenestrá-lo, nem ele se sinta impelido a pedir exoneração. E depois o problema está no Ministério dos Transportes - que foi tão fácil de resolver.
CARLOS LOPES
Conselho da Anatel brinda 'aprovação' de projeto com tele