Não sei se todos os meus caros leitores já observaram que existem algumas palavras, frases e conceitos que nascem, vivem e, por vários motivos, vão morrendo aos poucos.
Os mais resistentes são os provérbios, cuja gênese se apóia diretamente na velha experiência. Contudo, existem termos, quando ainda em pleno vigor, que se apresentam como ruidosos refrãos. Neste caso, em nossos dias, temos o vocábulo cidadania, verdadeira coqueluche! Virou uma irresistível moda na imprensa falada e escrita! Será que todos aqueles que usam e abusam deste nome já meditaram profunda e seriamente a respeito de sua origem, evolução e, sobretudo, sobre a sua prática efetiva em nossos conturbados dias? Pelo contrário: acredito que, não raras vezes, brincam muito com ele... A remota origem do conceito de cidadania liga-se evidentemente à cosmovisão política oriunda das cidades-estados, herança cultural do universo greco-romano. Trata-se de uma palavra bastante antiga e demasiadamente séria. Juristas brasileiros - e de outros países - já esmiuçaram o seu significado e respectivos desdobramentos. Dentre eles, destaca-se o saudoso e lúcido professor Plácido e Silva em seu primoroso Vocabulário Jurídico (8ª edição, 1984). "Cidadania - reafirma o jurista - palavra que deriva de cidade, não indica somente a qualidade daquele que habita a cidade, mas mostrando a efetividade dessa residência, o direito político que lhe é conferido para que possa participar de vida política do país em que reside (pág. 427). Ora, a citação refere-se, explicitamente, ao direito político, mas na verdade, a sua abrangência é muito maior, pois também se-refere, portanto, a outros deveres, isto é, ao seu necessário alcance político-social. Aliás, insiste-se muito, no Brasil, no binômio enfatizante Direitos e Deveres. Na matemática, há uma afirmação axiomática: "a ordem dos fatores não altera o produto". Mas, talvez no campo da psicologia coletiva, devêssemos alterar esta ordem para a seguinte: Deveres e Direitos, a fim de que, cada cidadão de per si, sobretudo num país em via de desenvolvimento, procurasse, mediante a sua atuação diária, apoiar-se primeiramente no cumprimento de seus deveres e assim fazer jus depois aos seus direitos. Este último ordenamento é primordial, pois ele iria efetivamente condicionar o próprio subconsciente coletivo. E direi ainda: Como insistir tanto sobre a prática da cidadania sem antes procurar saber como anda o poder judiciário brasileiro? A imprensa diária informa-nos, freqüentemente, que a situação dele não é das melhores, embora possa contar com magistrados capazes e funcionários dedicados. Os incapazes, relapsos, desonestos e desinteressados deviam ser inibidos ou afastados e, no último caso, reeducados. Em suma: deve-se premiar e enaltecer a legião dos bons e alijar e exorcizar os maus. Deve-se separar o joio do trigo. Impossível, volto a repetir: conciliar a crônica morosidade do nosso poder judiciário com a prática da cidadania plena!...
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