As interrupções no tratamento de radioterapia, em razão da quebra ou manutenção de aparelhos ou de feriados prolongados, prejudicam o controle do câncer e diminuem as chances de cura, sugerem novos estudos internacionais.
No caso de tumores de cabeça e pescoço, por exemplo, prolongar a radioterapia em mais de dez dias para compensar uma interrupção anterior causaria uma redução de 10% a 20% na taxa de sobrevida em cinco anos, segundo pesquisa citada em um trabalho inédito publicado na revista Radiologia Brasileira no ano passado.
O estudo acompanhou 560 pacientes com câncer por um ano e demonstrou que 62,5% tiveram o tratamento interrompido, por uma média de um dia e meio, em razão da manutenção dos aparelhos.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 60% dos pacientes com câncer vão precisar da radioterapia tratamento que usa radiação para destruir ou controlar o crescimento de células cancerosas.
No Brasil, a discussão sobre o impacto das interrupções deve ganhar força neste ano. O Inca (Instituto Nacional de Câncer) pretende instituir um "selo de qualidade" na radioterapia que, entre outras questões, tratará das paralisações na terapia.
O estudo alerta para o fato de que, no país, alguns serviços fecham por quatro ou cinco dias seguidos, em feriados prolongados. "Isso é bastante comum e raramente esse intervalo é compensado", avalia a enfermeira oncológica Sylvia Suelotto Diegues, uma das autoras.
Estudos internacionais mostram que interrupções por menores que sejam ou prolongamentos não esperados no tratamento podem prejudicar o controle da doença e diminuir as chances de cura de tumores de cabeça e pescoço, pulmão, bexiga e próstata, por exemplo.
Segundo Diegues, o país não conta com uma metodologia eficiente para calcular as interrupções e seu impacto. "Nenhum serviço admite uma taxa [de interrupção] acima de 50%. Dizem que têm 5%, mas isso é irreal. Na verdade, eles não fazem ideia de como se mede isso", diz ela, que entrevistou vários serviços para o seu mestrado na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Os tratamentos convencionais de radioterapia são, em geral, administrados em cinco sessões semanais, realizadas de segunda a sexta-feira, por um período de duas a oito semanas de forma ininterrupta.
"Em câncer de cabeça e pescoço, o impacto das interrupções é maior. Para cada dois dias que o paciente para desnecessariamente, perde 1,4% na taxa de cura", afirma.
Segundo Diegues, em geral, os médicos "querem ignorar" o impacto das manutenções preventivas no tratamento. Para ela, o problema é que muitos serviços brasileiros só têm um aparelho, e quando têm dois, já estão superlotados.
"Está tudo errado. O paciente chega tarde ao serviço, demora para conseguir radioterapia. E aí o aparelho para no feriado prolongado. No fim, já furou tudo."
MARGEM DE SEGURANÇA
Na opinião de Carlos Araújo, presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia e chefe do serviço de radioterapia no Inca, há uma margem de segurança no tratamento, seja de tempo, seja de dose. "Se eu vou fazer um tratamento de cinco semanas é porque eu posso fazer em quatro semanas e meia ou em cinco semanas e meia."
Araújo diz que há fórmulas matemáticas que calculam a correção na dose para compensar a parada do tratamento. "Só em intervalos muito longos há perdas importantes."
Mas ele admite que, embora existam normas quanto às correções do tratamento diante de uma interrupção, não há fiscalização para ver se elas são, de fato, cumpridas.
De acordo com Araújo, há perdas muito importantes no tratamento de radioterapia em casos de câncer de colo de útero porque a braquiterapia (implante de sementes radioativas) foi restringida pelo governo federal para ser feita somente em centros de alta complexidade.
"Por conta disso, as pacientes que precisavam fazer o tratamento em 57 dias estão fazendo em 180. Essas pessoas estão perdendo chances de cura", afirma o médico.
|