Extensa é a lista dos sentimentos contraditórios e das doenças que afligem a humanidade desde que o homem vem povoando o imperfeito planeta Terra. Muitos destes valores são multiformes, surpreendentes e até mesmo desapontantes.
Da galeria dos grandes psicopatas, sobressaem aqueles de caráter universal, contrapondo-se a outros que são apenas nacionais, regionais ou tão-somente locais. Do primeiro grupo, destacam-se: Nero, Herodes, Gengis-Khan, Dionísio I (o Antigo), torquemada, pizarro, Adolfo Hitler... Aliás, quem melhor perfilou este psicopata austríaco foi o lúcido e irônico [José] Herculano Pires (1914 -1979):
"Hitler esse Quixote às avessas, que tinha por Dulcinéia, a medusa da ambição desmedida e por Sancho Pança, a figura pança de Mussolini." Deixo de lado essas personalidades da História Universal, pois não caberiam no espaço de uma brevíssima minicrônica.
Hoje, prefiro utilizar a boa prata da casa porque, na qualidade de bom baiano - modéstia à parte - resolvi relembrar um personagem nordestino cujo gesto passional ocupou um longo espaço na memória popular da Bahia sempre em progressão crescente, misto de curiosidade e perplexas indagações:
Por que ele teria feito aquilo? Onde estaria com a cabeça? Que forma estranha de bem-querer!... Refiro-me ao ruidoso Crime da bala de ouro.
Quem dele se ocupou foi o saudoso Pedro Calmon (1902-1985), escritor, historiador, neohumanista, em sua primorosa obra: A bala de ouro, história de um crime romântico (1947).
Por mais que eu me esforce em ver naquele assassinato uma manifestação romântica, nele só enxergo um mero gesto passional, tresloucado, contrastante: Nada de romântico!Vamos sumariamente ao fato, porque o tempo urge e o espaço de que disponho é muito reduzido.
Tudo se passou desta forma: No século XIX, uma bela jovem de 20 anos, Julia Fetal, foi assassinada, em sua própria residência, pelo seu ex-noivo, João Estanislau da Silva Lisboa, 28 anos, de quem havia sido aluna de inglês. Desfeito o noivado, por motivo até agora pouco esclarecido, ele, desesperado, teve a sinistra idéia de pedir a um ourives para lhe confeccionar uma bala de ouro, utilizando o próprio material das alianças.
A ex-noiva tocava piano e ele, munido de um revolver e um punhal, adentrou a casa de sua amada e a atingiu de morte. A partir daquele ato, a Bahia inteira não parou nunca mais de relembrar, estupefata, o crime com pormenores de revolta, perplexa curiosidade, tudo apoiado em espichada imaginação!