As vidas das grandes personalidades do passado geralmente são viradas pelo avesso, pois os exegetas de suas obras buscam e rebuscam afim de nelas encontrar tudo aquilo que possa despertar a curiosidade e / ou o deleite das gerações hodiernas. Sobre o vate baiano [Antonio Frederico de] Castro Alves (1847-1871), genial defensor dos escravos, boêmio, donjuanesco, muito se escreveu, dando-nos a impressão de que nada mais se pode acrescentar à sua biografia romântica super estudada. Se a critica interna de suas obras continuam merecendo a atenção de excelentes exegetas, a critica externa parece esgotada. Puro engano! Volta e meia, aqui e acolá, surgem inesperados trechos epistolares, referências em diários íntimos de seus coetâneos, tudo envolvendo até mesmo os seus antepassados remotos, como é o caso do seu avô materno, o bizarro Major José Antônio da Silva Castro, o Piriquitão cuja lista de anedotas e relatos exóticos ocupa no inconsciente coletivo um lugar muito expressivo, a começar pela origem de seu apelido por ser ele um ardente defensor da nossa independência política, não hesitando em enfeitar-se com vistosas fitas e faixas verde-amarelas, adornos que se estendiam até mesmo aos arreios de suas montarias. Com outras palavras: era uma verdadeira bandeira ambulante perambulando pelas ruas de Salvador, ou varando o alto Sertão da Bahia. Sobre o nosso poeta Castro Alves sempre vem correndo uma "avalanche" de fatos e anedotas dignos de figurarem numa antologia de muitas lendas e testemunhos.
Quando eu concluía o curso clássico no Colégio Ipiranga (Salvador), estabelecimento instalado no mesmo solar onde viveu e faleceu o nosso poeta, rua do Sodré nº 43, ouvi, com certa freqüência, muitos e muitos relatos sobre a vida multifacética do nosso vate, inclusive alguns bastante surpreendentes - fantasiosos - sobre seus namoros com as esquivas jovens judias que moravam bem defronte do seu solar. Contudo, a mais comovente informação oral que eu ouvi, foi aquela em que a sua dileta irmã Adelaide ao enxugar-lhe a fronte ouvira, apesar de ofegante: "Querida irmã, guarde este lenço, pois com ele você está enxugando o suor da minha agonia!...". Com esta recomendação final, o nosso poeta fechou os olhos para o mundo, abrindo-os na eternidade, mas os reabriu, indiretamente, na memória popular que não os esquece. Por falar em olhos de Castro Alves, cabe aqui uma interessante observação: Examinando as fotografias deste poeta, sempre nelas notei ser demasiado branca a alva de seus olhos, cuja explicação, baseada em vetores antropológicos, só muito mais tarde pude encontrar explicação: Castro Alves era descendente de ciganos, pois sua mãe - Dona Clelia Viegas, posteriormente Clélia Brasília Castro Alves - o era. Um dos traços característicos da maioria dos boêmios: tez morena azeitona, gengivas arroxeadas, tez morena, alva dos olhos bastante branca, agilidade gestual etc. Pedro Calmon (1902-1985) em sua obra "Vida de Castro Alves", (última edição), auxiliado por sua dedicada irmã Dona Romana, conseguiu localizar, num livro de registro de nascimento, a constatação de que a sua progenitora era cigana, pois o atento vigário, com sua letra bastante legível, qualificou a batizante e seus padrinhos com o termo: ciganos. O biógrafo ainda esclarece que a condição de zíngaro do nosso poeta sempre foi um segredo mantido a sete chaves pela própria família.
O preconceito, ontem e hoje, teve e ainda tem muita força!
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