Não é preciso repetir sempre e sempre - por demais fastidioso - que o hábito é uma resistente segunda natureza. Alguns deles atingem não apenas algumas pessoas ou famílias, mas a quase todos os membros de uma comunidade e, no caso que vou registrar, a todo o país. Trata-se do uso freqüente daquilo que vulgarmente se denomina: pistolão! Como conceituá-lo? Bem conhecida é a sua vinculação à espinhada cadeia sinonímica: apadrinhamento, favoritismo, proteção, nepotismo e, de forma mais ou menos atenuada ou eufêmica: patrocínio! De qualquer forma, o que todos nós sabemos é que ele existe traduzido por múltiplas expressões, embora com alguns retoques atenuantes: dar uma mãozinha, dar uma colher de chá, dar um empurrãozinho, dar cobertura, dar uma penada em favor de alguém, a fim de que este possa obter o que pretende mesmo ao arrepio da lei, mediante o uso de cartas de recomendação, bilhetes, telefonemas, correios eletrônicos, ou até mesmo simples recados.
Não creio que o uso e abuso desta forma esdrúxula de solidariedade seja uma exclusividade do nosso país. Outros o conhecem debaixo de múltiplas fórmulas e designações, porque os povos têm valores sociais, psicológicos, antropológicos, enfim, culturais especiais. Somos frutos da velha árvore portuguesa e da mesma frondosa Roma. Contudo, não diferimos muito dos demais países co-irmãos: Na área de fala espanhola, registra-se: "cuña" (América Central, Antilhas, Argentina, México, Chile, Panamá, Peru e Uruguai). Evidentemente, na própria Espanha, também se registra o mesmo hábito (cf. Diccionario Manual de la Lengua Española / Real Academia). Esta prática varia de acordo com os vetores culturais de cada país onde se usa a língua de Cervantes. Na bela e doce língua de Ionesco diz-se: "pila". Na de Racine, também muito expressiva: " pistonné " e, não menos plástica, a de Dante Alighieri: "padrino".
O pistolão, no Brasil, tem certidão de idade, pois na Carta de Pero Vaz de Caminha (1450?-1500?) aquele escrivão depois de descrever minuciosamente o que viu na terra recém-achada, no final, antes de colocar a sua assinatura, roga ao rei Dom Manual o favor de transferir seu genro Jorge da ilha São Tomé para a terra que ele acreditava ser muito promissora. Portanto, a Carta de Caminha não é apenas a "certidão de batismo do Brasil", mas, também, a da "introdução do pistolão" entre nós. Um velho hábito brasileiro com remotas e persistentes raízes históricas!
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