Segundo Gilmar Mendes, exigir o diploma é contra a Constituição Federal que garante a liberdade de expressão
BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira, 17, que jornalista não precisa ter diploma para exercer a profissão. Por 8 votos a 1, o STF derrubou a exigência do diploma de jornalismo. Essa obrigatoriedade tinha sido imposta por um decreto-lei de 1969, época em que o País era governado pela ditadura militar.
Relator do caso no STF, o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, disse que o jornalismo é uma profissão diferenciada, que tem vinculação com o exercício amplo das liberdades de expressão e de informação. Segundo ele, exigir o diploma de quem exerce jornalismo é contra a Constituição Federal, que garante essas liberdades. A exigência do diploma já estava suspensa desde 2006, por uma liminar concedida pelo STF.
O jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação de forma contínua, profissional e remunerada. Os jornalistas são aquelas pessoas que se dedicam profissionalmente ao exercício pleno da liberdade de expressão. O jornalismo e a liberdade de expressão, portanto, são atividades imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada", afirmou Mendes. Para ele, o decreto lei de 1969 que exigia o diploma de jornalismo para quem trabalhasse como jornalista não foi recepcionado pela atual Constituição, que é de 1988.
"Nesse campo, nessa matéria, a salvaguarda das salvaguardas da sociedade é não restringir nada", concordou o ministro Carlos Ayres Britto. Apesar de ter votado contra a exigência do diploma, o presidente do STF reconheceu que é inegável que frequentar um curso superior com disciplinas técnicas sobre redação e edição, ética e teoria da comunicação pode dar ao profissional uma formação sólida para o exercício cotidiano do jornalismo. "E essa é uma razão importante para afastar qualquer suposição no sentido de que os cursos de graduação em jornalismo serão desnecessários após a declaração de não-recepção do art. 4º, inciso V, do decreto-lei nº 972/1969 (que estabelecia a obrigatoriedade do diploma)", afirmou. Ele sinalizou que o diploma também não deveria ser obrigatório para exercer outras profissões.
"Tais cursos são extremamente importantes para o preparo técnico e ético de profissionais que atuarão no ramo, assim como o são os cursos superiores de comunicação em geral, de culinária, marketing, desenho industrial, moda e costura, educação física, dentre outros vários, que não são requisitos indispensáveis para o regular exercício das profissões ligadas a essas áreas", disse. Para exemplificar esse pensamento, ele comentou de forma mais detalhada a profissão de chefe de cozinha. "Um excelente chefe de cozinha certamente poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima o Estado a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área. Certamente o poder público não pode restringir dessa forma a liberdade profissional no âmbito da culinária, e disso ninguém tem dúvida, o que não afasta, porém, a possibilidade do exercício abusivo e antiético dessa profissão, com riscos à saúde e à vida dos consumidores", afirmou. Os ministros afirmaram que há um excesso de regulamentação das profissões.
Durante o julgamento, o presidente do STF lembrou que vários jornalistas conhecidos do público em geral atuam ou atuaram no Brasil e no exterior sem ter o diploma de jornalismo. Ele citou como exemplos o colombiano Gabriel Garcia Marquez, o peruano Mário Vargas Llosa e os brasileiros Machado de Assis e Nelson Rodrigues. Mendes afirmou que em 1992 chegou a ser instaurado inquérito policial contra dois jornalistas que trabalhavam em São Paulo sem terem concluído a faculdade de jornalismo.
Único ministro a votar a favor da obrigatoriedade do diploma, Marco Aurélio Mello afirmou que o jornalista tem de ter técnica para entrevistar, reportar e pesquisar. "Devo presumir o que normalmente ocorre, não o excepcional: que tendo o profissional o nível dito superior estará mais habilitado à prestação de serviços profícuos à sociedade brasileira", disse Marco Aurélio. Autor da ação que questionava a exigência do diploma para o exercício do jornalismo, o Ministério Público Federal sustentou que a obrigatoriedade violava a atual Constituição Federal, que garante a liberdade de profissão e de imprensa e prevê o direito ao livre trabalho e à livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação.
Durante o julgamento, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza sustentou que a Constituição estabelece a liberdade de exercício de qualquer trabalho desde que atendidas as qualificações profissionais.