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Pela Liberdade e Democratização da Comunicação
Verbeat, domingo, 15 de agosto de 2010
Pela Liberdade e Democratização da Comunicação
Quando uma pessoa vai presa por manter um blog, isso lhe incomoda?

Não há quem não conheça a palavra "liberdade". Mas, sozinha, ela quer dizer muito pouco; liberdade precisa de um objeto para o qual ser livre. Ela surge de algo que cerca, cerceia. Conquistamos nossas liberdades à medida em que conhecemos seus contrapontos; e é preciso reinventá-las todos os dias. Se cessarmos essa procura, ficamos acomodados, e assim a liberdade termina. Redescobrimos sua necessidade dia após dia - afinal, não sabemos de tudo. Se soubéssemos, talvez muita coisa fosse diferente. Saber é importante e todos deveríamos ter o direito de saber das coisas, não?

Pois temos. Isto se chama liberdade de informação - e garante que um indivíduo receba informação de outro. Isso é suficiente? Nem sempre, porque para que a informação chegue é preciso termos assegurada nossa liberdade de expressão - o direito que um indivíduo tem de manifestar-se livremente, desde que não atente à moral e integridade física de outro indivíduo. Logo, as duas andam de mãos dadas, e assoviando. Elas reafirmam que nós, pessoas "livres", temos o direito de receber e de produzir informação. É o que basta? Não. Não adianta nada eu expressar minha opinião no banheiro ou numa sala vazia; da mesma maneira que é inútil ficar com o ouvido alerta na varanda de casa e a informação não chegar. Porque há alguma coisa aí no meio: de fato, é O MEIO. A mídia; o que está entre a informação criada e a informação recebida. Entre cada um de nós. Numa conversa pelo celular, a mídia é o aparelho de telefone. Quando assistimos o telejornal da noite, a mídia é a TV - e, antes dela, a imprensa. Que está entre o que acontece de fato e o que é notícia. Assim, se a imprensa não fosse livre, nada adiantaria sermos livres para produzir e receber informações. Para nossa sorte, na maioria dos países conquistou-se também essa liberdade: a de imprensa.

Tendo o produtor, o meio e o receptor livres diante do fluxo da informação, então podemos conquistar a Liberdade de Comunicação.

Hoje, eu e você somos livres para informar e sermos informados, num fluxo que trafega por meios livres. Mas não vivemos num mundo livre. Liberdade por si só não é suficiente, porque ela não pressupõe naturalmente outro conceito importante: democracia. A mídia tradicional (rádios, TVs, jornais, portais web) está longe de ser proporcional à quantidade de informação produzida, tanto quanto ao número de indivíduos que as recebem. As pontas são infinitamente maiores que os meios existentes. Há um estrangulamento. E quando isso acontece, alguma coisa fica de fora do fluxo. É isso que a mídia tradicional faz: filtrar. Selecionar informações para distribuí-las ao maior número de pessoas possíveis - donde o termo "meios de comunicação de massa". Poucas informações produzidas são veiculadas, poucos produtores tem poder para comunicar o que querem, e poucas opções temos de receber o que de fato queremos. E se não recebemos, a informação existe? De fato, sim; na prática, não. É o sujeito que grita na sala vazia. Sujeito que talvez tenha coisas relevantes a dizer. Todos nós temos coisas a dizer, sim. Por que não teríamos?

No modelo vigente, a mídia escolhe por nós. Ela cerceia a própria liberdade que tanto precisa, em nome de uma efetividade - muitas vezes, manchada pela face comercial que a viabiliza (quando não é a própria razão de existir).

Mas eu quero falar. Quero falar o que eu quiser. E falar para quem eu quiser. Para quem quiser me ouvir e que vai poder me achar. Quero ouvir. Ouvir o que eu quiser. E ouvir de quem eu quiser. De quem quiser me falar e que vou poder encontrar. Essa é a verdadeira liberdade e democracia da comunicação. Isso, os meios de massa jamais poderão oferecer, mas a Internet sim: com o blog. Uma ferramenta pessoal, acessível, de baixo custo, sem intermediários, apoiada em uma mídia instantânea e de alcance global.

Não apenas o diário virtual, pense de novo: Blog é o suporte tecnológico de uma revolução na exposição de idéias, na distribuição de informação, na democratização da comunicação. Na internet, qualquer sujeito que quiser exercitar sua liberdade de expressão encontra um sujeito exercitando sua liberdade de informação. Isto é liberdade. Isto é democracia. Esse é o direito que deve ser assegurado.

Não há confronto com a mídia de massa. Pelo contrário; o que queremos é que se garanta o mesmo poder e a mesma liberdade que é dada à imprensa para o indivíduo. Da mesma forma que já compartilham democraticamente estas duas esferas - mídia tradicional e blogs - a própria constituição da informação e seu desencadeamento. Que a blogosfera ande junto com aquela imprensa que é responsável e idônea! A informação da grande mídia, por exemplo, tem agora um local onde pode ser debatida, contestada ou corroborada. Como disse Jeff Jarvis, do blog BuzzMachine, sobre o escândalo que derrubou o âncora Dan Rather, da rede norte-americana de notícias CBS, durante as eleições presidenciais de 2004: "Nós costumávamos pensar que as notícias haviam terminado depois de impressas, mas agora, é quando elas começam".

Porém, mais do que amplificar a imprensa, os blogs crescem ainda mais em relevância quando tornam-se um canal alternativo, onde circulam as informações que a mídia tradicional não cobre. A liberdade impulsiona para a descentralização: ganha o indivíduo. Ganhamos todos nós.

Infelizmente, nem todos entendem assim. No Oriente, por exemplo, ações extremas já foram tomadas para combater a liberdade "excessiva" que os blogs trazem consigo: no Irã, blogueiros foram presos por divulgar nomes de jornalistas cassados e presos; no Bahrein, por "difamar o rei". Também sanções são aplicadas na China, onde todo o acesso à internet é rigorosamente controlado. Países longe de nós? Nem tanto: aqui no Ocidente, onde a democracia parecia ser a suprema bandeira, o autor de um blog foi obrigado a identificar suas fontes pela justiça norte-americana, ativada por um processo da Apple. Antes disso, no Brasil, um blogueiro foi obrigado a retirar sua página do ar por decisão de uma juíza; nesse caso, uma empresa de recursos humanos foi insultada na caixa de comentários, por um terceiro. O processo ficou conhecido por levantar a discussão entre o Direito e os sistemas de publicação pessoal no Brasil.

O tema é polêmico por tratar-se de um cerceamento autoritário e que demonstra falta de conhecimento sobre os blogs. Se é claro que o indivíduo é responsável pelas opiniões que emite e os fatos que apresenta - como em todas as esferas, logicamente -, é preciso tomar cuidado para que regras e leis não tornem a atividade improdutiva, perigosa ou por demais delimitada. Em última instância, blogs são páginas pessoais e não mídia tradicional. Responsabilidades devem ser cobradas onde se aplicam, no âmbito correto, sem confusão entre a esfera pública, comercial e privada. Um blog será sempre a expressão de uma idéia pessoal, individual, e que devia ser livre, não? Embora devamos evitar uma normatização que pode esterilizar e delimitar esse espaço, a blogosfera ligada ao Direito já começa a debater a questão, e alerta para o que pode e não pode ser enquadrado como crime - liberdade, afinal, não significa bandalheira. Mas bloquear o livre acesso aos blogs, ou tentar limitar seu conteúdo, é um atentado contra todas as liberdades já conquistadas. Represar essa nova liberdade de comunicação é um passo tardio dos que procuram impor uma única via.

É preciso discutir essa nova forma de comunicação. Popularizar para atingir o maior número possível de pessoas. Disseminar a informação para que se evitem julgamentos errôneos. Também é necessário cultivar um senso de fair play entre os blogueiros; incentivar a capacidade individual dos leitores para separar o legítimo do ilegítimo e buscar mais de uma fonte para a mesma história. A própria natureza colaborativa e de interligação dos blogs pode estabelecer esse ambiente de auto-gestão de credibilidade. Se um blog mal-intencionado ou mentiroso é desmascarado, será banido pela própria comunidade; aqui, a relação é um-a-um, direta. São pessoas reais com sentimentos reais. E ninguém gosta de ser feito de trouxa.

Dan Gillmor, jornalista norte-americano, papa dos blogueiros, defensor do citizen journalism e autor do livro We the Media, julga a blogosfera como uma "câmara de eco". Para Gillmor, as idéias movem-se por ela como vírus. É impossível pará-las de todo, e o único impedimento de uma "contaminação" é o querer do sujeito, que pode passar de simples receptor passivo a produtor e crítico num piscar de olhos. O nascimento, a legitimação e o fortalecimento de uma nova via de informação depende apenas que cada cidadão coloque em prática a prerrogativa de suas liberdades conquistadas. O aparato tecnológico está disponível, e onde não estiver, deve ser levado. Cercear, normatizar e delimitar esse suporte, ou o conteúdo nele contido, é aprisionar o indivíduo no momento em que ele mostra sua força como indivíduo. Incentivar e lutar pela liberdade de comunicação é criar uma forma inédita para a produção, a compreensão e a discussão da informação. E se hoje a informação é o poder, nunca ele esteve tão próximo de cada um de nós, livre e democraticamente. Não vamos, agora, abrir mão disso.



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