Confesso que ouvi, pela primeira vez, a expressão ditadura civil, quando de uma troca de idéias, com Antônio Siqueira Dias. Ele é empresário, mas conhece política e viveu no clima de uma ditadura civil, lá em Portugal, quando governava Salazar, no qual o meu interlocutor, não vê apenas defeitos, mas um estadista que soube manter o país fora da segunda guerra mundial.
Aqui no Brasil está esboçando uma ditadura civil (que costuma ser pior que a ditadura militar), pois o Estado brasileiro, que não é provido ( que providencia, prudente, cauteloso ) em quase tudo, está sempre presente, quando se trata de punir, multar e desrespeitar direitos individuais. No momento, em discussão há várias reformas, buscando mudar os códigos de processo civil e penal.
O conhecimento humano, ele é um só e as suas infinitas subdivisões só existem para efeito didático. Por isso, o leitor que não é jurista tem o direito de ler e de opinar, sobre o assunto, até porque, ao cabo, a vítima vai ser ele. Para que ele possa entender, nada melhor que um exemplo. Qualquer pessoa poderá ser objeto de uma ação, de um processo e terá o direito de se defender e todos os outros direitos embutidos no chamado devido processo legal.
Os vários compartimentos do Estado têm o direito de promover contra o indivíduo uma execução por dívida, mas diz Frederico Marques que essa atividade jurisdicional está: “indissoluvelmente aliada ao princípio de defesa do acusado que abrange, dentre outros direitos, o de ter conhecimento amplo, pormenorizado e prévio dos fatos que lhe são imputados”. O que está ocorrendo é o seguinte, o contribuinte é acionado, por uma prefeitura que no caso recorre ao judiciário. Por desrespeito, ao chamado devido processo legal, esse indivíduo não é citado, não é comunicado e por isso não pode se defender. Foi pro brejo o princípio da publicidade.
E o tempo passa até um momento em que o tempo leva a lide à prescrição ou decadência e aí as prefeituras recorrem a instâncias superiores. O que no Superior Tribunal de justiça, recebeu, através da súmula 106, a seguinte redação: “proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência”.
Socorra-me a lógica, socorram-me os juristas de nomeada. Respondam-me a pergunta: passou a ser permitido o ato de denunciar a própria vileza? Quem responderá pelos prejuízos á prefeitura, a justiça ou a vítima que não foi citada? Não tome o leitor o artigo como uma crítica mordaz ao Poder judiciário, ele continua sendo o menos corrupto dos poderes e a estratégia para destruição da democracia começa pelo abalo dos pilares do Poder Judiciário. Mas a ele e aos outros órgãos do Estado compete a auto fiscalização e a obediência a princípios que respeitem o direito de defesa e o contraditório.
O espaço reduzido em jornal não permite a discussão do tema prescrição. Muitos estão propugnando, na reforma dos códigos, a abolição da chamada prescrição. Não permitam isso, pois se acontecer, o processo que hoje exige dez anos para se concluir passará a um século. Perguntem aos que sabem e que não são portadores da minha proverbial ignorância, nisso, e em tudo mais.
Médico e advogado Wilson Romano Calil